Porque na Vida há maus e bons momentos. Porque no dia-a-dia há acontecimentos que nos afectam positiva ou negativamente.
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terça-feira, 6 de junho de 2023
quinta-feira, 9 de março de 2023
quinta-feira, 10 de dezembro de 2020
Viagem alucinante pelo país [Portugal] das cinco ortografias
O artigo de opinião de Nuno Pacheco, publicado hoje no jornal "Público". Com a devida vénia,
«Por má sina ou fatalidade, há coisas de que não nos livramos. Podemos livrar-nos de Trump, poderemos até livrar-nos do bicho coroado que nos atormenta, mas há um mal que continua a perseguir-nos sem desfalecer e que alastra como uma praga: a pseudo-ortografia. Houve até quem, de forma brilhante e acertadamente, lhe inventasse nome: pentaortografia. Num artigo bem recente, de 5 de Dezembro, no Diário do Minho, M. Moura Pacheco (ao qual, apesar do apelido, não me unem laços familiares) veio explicar de forma sucinta esta magno problema.
Começa assim: “Quando eu aprendi a escrever, havia duas ortografias: a certa e a errada. Agora há, pelo menos cinco. E todas auto-consideradas certas – é a pentaortografia.” Quais são? Ele explica: primeiro, a ortografia clássica ou antiga (a do acordo, ou reforma, de 1945); depois, “a do chamado ‘acordo ortográfico’ que, por sinal, nunca foi acordado”; em seguida, há “a ortografia do ‘super-acordo’ ou dos fanáticos do ‘acordo’. São aqueles que não podem ver uma consoante antes de outra sem que, zelosamente, a façam cair”; em quarto lugar, vem “uma mistura das três anteriores, em doses e proporções ao gosto de cada um, em ‘cocktails’ sortidos de um extenso cardápio.”; e, por fim, a quinta ortografia: “É a que não se integra em nenhuma das anteriores, que está errada à luz de qualquer delas, que desvirtua a fonética, atraiçoa a etimologia, ofende a morfologia e atropela a sintaxe. Uma espécie de sublimação da anterior. Mas é, talvez, a mais popular de todas.” Daí esta conclusão do autor, professor universitário aposentado: “Das duas velhas ortografias, o ‘acordo’ que ninguém acordou conseguiu fazer cinco – a pentaortografia. É o que se chama produtividade cultural!!!” Outra voz que se tem levantado, com regular insistência, contra tal realidade e dando exemplos, é a de João Esperança Barroca, na série “Em defesa da ortografia”, no jornal Cidade de Tomar.
Exagero? Antes fosse. Todos os dias, e é bom aqui sublinhar todos, surgem exemplos desta novilíngua que se vai insinuando pela má escrita e que, sem ameaçar a língua portuguesa (que já resistiu a tanto e há-de resistir a tudo), ameaça impiedosamente a nossa paciência. Alguns exemplos, recolhidos por olhares atentos, permitem uma avaliação sumária de tais misérias.
Na rua, um sinal de proibição de trânsito ressalva “excepo [por excepto] acesso à escola”, bem perto de um outro onde se anuncia “Todas as direcções” (à “antiga”, com cç). Na RTP, no Jornal da Tarde, lemos este aviso: “Restrições do fim-de-semana impõem novos horários para espétaculos [!] culturais”; enquanto isso, num anúncio governamental de restrições devido à pandemia, lia-se nas projecções atrás do primeiro-ministro: “Limitação de circulação na via pública nos 121 concelhos, ao fim-de-semana a partir das 13h.” Um desgoverno no aplicar do Acordo Ortográfico de 1990, que, na caça aos hífenes, impôs como norma fim de semana.
Quem diz hífenes diz acentos. Mão zelosa deve ter achado por bem este título “A ERC pode por [em lugar de pôr] em causa a sobrevivência da TVI” (Visão, 24/11). Quanto a “impatos”, “patos” ou “estupefatos”, vão surgindo a eito, apesar de se pronunciar claramente o omitido C em impaCto, paCto ou estupefaCto. No artigo “Costa apresenta plano para investir 43 mil milhões até 2030”, no Observador (22/11), lá vinha: “com menor impato no clima”; o mesmo numa circular de formação escolar, onde se menciona o “impato nos currículos”. Já num antigo artigo da Visão (“Quando a Europa vai à Escola”), apesar de aí se escrever “impacto” sem erro, surge esta linda frase: “É sempre preciso patuar com algo que não é o ideal”; e na TVI (26/2) tivemos ainda esta pérola: “Setor bancário está estupefato com esta decisão.”
Isto já para não falar nos “artefatos tecnológicos” (numa comunicação sobre Tecnologia Educativa), no “julgamento por corrução do ex-presidente Sarkozy” (Lux, 30/11), na “interrução de trânsito” (Câmaras do Machico e do Funchal), ou na “queda de um helicótero” [por helicóptero] em notícias publicadas em 2019 em jornais de Coimbra e da Madeira.
O impato de tudo isto deixa-nos estupefatos. O melhor é ir a um espétaculo, a ver se passa.»
quinta-feira, 27 de agosto de 2020
A Feira do Livro de Lisboa "arranca"(?) hoje

"A Feira do Livro de Lisboa arranca hoje": ouvi esta frase hoje de manhã, numa das nossas mais populares estações de rádio. "Arranca" ??? Arranca para onde? Onde é que ela vai?
A abusiva utilização deste verbo "arrancar" é um dos múltiplos vocábulos em moda na nossa imprensa, mais na falada do que na escrita. Rádios e televisões utilizam-no ad libitum. Não há nada que comece, principie ou que tenha início, tudo "arranca": "arranca" o conselho de ministros, a conferência de imprensa, o jantar de homenagem, o ano escolar, etc.
Os responsáveis dos respectivos média também devem ouvir. Mas não fazem nada... Será que concordam com isto?
sábado, 6 de junho de 2020
terça-feira, 16 de abril de 2019
sexta-feira, 30 de novembro de 2018
Calinadas no português
Com a devida vénia, a crónica de Patrícia Reis publicada ontem no SAPO 24 com o título "Então, é assim: tamém, tamém e já vou ter com vocês",
«Eu pasmo com a utilização da preciosa Língua Portuguesa e pasmo todos os dias. Muitas vezes, acontece-me admirar aquela palavra que faz parte do vocabulário de alguém e que não ouvia há muito, palavras que me surpreendem, que se mantêm vivas. Tenho um amigo cuja adversativa favorita é “não obstante”. Esta terminologia está incorrecta e antes que me peguem por aí, já que há sempre quem queira ser hostil ou jocoso, pois faço a emenda e faço jus ao dicionário que tenho à mão: não obstante, uma locução conjuntiva cujo significado se refere a uma situação de oposição a uma outra ideia apresentada, mas que não impede sua concretização.
Hoje tive o infeliz acaso de me cruzar com uma dama de boas famílias, casa posta e anéis de ouro verdadeiro no dedo, bom relógio, fatinho de marca francesa, mala a condizer. No espaço de meia hora, a dita senhora, com quem não me cruzarei nunca mais, o que, verdade seja dita, facilita muito esta minha opção de tema para a crónica desta semana, bombardeou-me com vários “tamém” e, sem excepção, todas as frases que proferiu começaram com “é assim”. Faltou-me, no final do encontro, o “então vá”, mas não se pode ter tudo.
Como é que uma pessoa com estudos e tal, todo o pedigree que reclama educação, consegue falar assim? É certo que as pessoas falam mal, todos nós. Engolimos palavras, a nossa dicção é um desastre, a construção frásica está contaminada com inglesismos e afins, está repleta de opções linguísticas que herdámos, na sua maioria do tal país irmão, o Brasil. Portanto, hoje há muita gente que opta pelo verbo “falar”, quando na verdade o que pretende dizer se ajusta ao verbo “dizer”.
E a senhora disse: “Ele falou que o verde era melhor”. Com sotaque ficaria perfeito, assim foi só mais um arrepio que me sacudiu a alma e, a certa altura, admito sem pudor, deixei de perceber qual era o objectivo da nossa reunião, mantive-me concentrada nas calinadas do português e pasmei. Pasmei por me pasmar, pasmei por me parece estranho que assim fosse. Sim, as pessoas não são o que vestem, mas são também (com b!) a forma como falam (aqui do verbo falar!). Quando virei as costas à dita cuja assassina da língua mãe ainda tive esta pérola: “Já vou ter com vocês e, para além disso, olhem eu sou uma ovelha ranhosa”.
Morri com tanto ranho a escorrer – diz-se ovelha ronhosa, ou pelo menos deveria ser assim – e matutei naquela ideia de que “para além” está a metafísica. Comentei esta minha aventura sociológica e linguística com um adolescente. Este, atento, disse-me ficar perturbado com frases que começam assim. “tenho um amigo meu” ou “há uns anos atrás”. Ficámos os dois à cata de mais erros praticados com a regularidade matemática que a asneira sem punição permite. Assim, debatemos o verbo “realizar” e “o protagonista principal” e, ainda, onde e como usar o verbo “pôr” e o verbo “colocar”.
A língua evolui, contamina-se, é um tecido vivo e não pretendo ser purista da língua, longe de mim. O que me aborrece é perceber que diminuímos o vocabulário à conta da facilitação da leitura e da escrita – sim, cá estou eu a bater nas redes sociais por terem mais poder do que a Literatura, mas tenham paciência, aceitem que custa menos, eu sou assim – e que não temos cuidado com a Língua que nos dá identidade, que nos projecta na História e nos une. Aprende-se a falar melhor quando se é bom leitor? Não é discutível. Aprende-se a falar e a escrever melhor.
Conclusão? É assim, tamém com vocês, há uns anos atrás, não tinham realizado isto, certo?»
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
domingo, 25 de novembro de 2018
segunda-feira, 23 de julho de 2018
Escândalo: “Os Maias” deixaram de ser leitura obrigatória no liceu
Da crónica de Alberto Gonçalves, intitulada "Sete dias na selva", publicada no dia 21 último no jornal online "Observador", o excerto relativo ao assunto em título. Com a devida vénia,

domingo, 24 de setembro de 2017
domingo, 10 de setembro de 2017
E falar português, vai desejar?
Paulo Varela Gomes, infelizmente já falecido, escreveu esta crónica há pouco mais de 7 anos. A situação a que alude mantém-se sem modificação. Vale a pena recordar. Com a devida vénia,

Mas não são só os polícias. Vejam os estudantes do ensino superior. Também falam rebuscado. Nenhum utiliza o verbo "ter". Nenhum escreve uma frase como "a igreja tem uma abóbada de pedra", para citar um exemplo da minha área. Escrevem: "A igreja possui uma abóbada de pedra." Nem o verbo "fazer": dizem "a igreja de S. Vicente de Fora foi elaborada por Baltazar Álvares". Menos ainda o verbo "ser": escrevem "constitui um projecto". E nem pensar no verbo "pôr": dizem "coloca-se o caixilho".
Reparem também no modo como se eliminou pouco a pouco do português o verbo "querer". Os empregados perguntam-nos nos restaurantes: "E café, vai desejar?" "Querer" é aparentemente um acto demasiado assertivo para os portugueses, talvez até mal educado, tem-se um certo receio de querer ou de perguntar se alguém quer.
Os portugueses de hoje não querem, não são, não têm, não fazem. Desejam, constituem, possuem, elaboram. Só se exprimem verbalmente de duas maneiras: ou dizem "Eu não tenho palavras", ou mais valia que as não tivessem, porque arrebitam a linguagem até ao ridículo.
A utilização saloia do inglês também é típica destes tempos: por que é que escrevemos "on-line"quando não dava trabalho nenhum escrever "em linha"? Olhem em volta para os anúncios: ele é o "retail park", o "express shopping", as férias "low cost" (esta é particularmente significativa: nenhum português faz férias de "baixo custo" ou "baratas"; mesmo que as passem na Cova do Vapor, passam-nas em inglês).
A melhor explicação para esta substituição do português pelo imbecilês é o novo-riquismo. Durante décadas (séculos), a maioria dos portugueses não tinha qualquer hipótese de se exprimir em público, com excepção do círculo familiar. Agora que essa hipótese existe constroem a linguagem como um parolo constrói a sua nova casa... E fazem idêntica figura de parvo.
Mas haja esperança: é bom sinal, por exemplo, que já estejam a desaparecer as bandas e cantores que cantavam em inglês. Nunca percebi se era o sonho de gravar o tal disco em Londres que lhes proporcionasse a fama mundial, se, como é mais provável, a incapacidade de escrever em português duas linhas que fizessem sentido.»
Paulo Varela Gomes, Historiador
Publicado em 2010-07-24 no jornal "Público"
domingo, 25 de junho de 2017
Sobre a nossa Língua Pátria, mais um pensamento do Dalai Lima
«A situação está a ser empolgada.» – Declaração real sobre alegada fuga do enunciado do exame de Português de Edviges Ferreira, Professora da Associação de Professores de Português, sim, de Português.
Mais pensamentos do Dalai no Blog do Dalai Lima
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
A nova ortografia vai nua? Vistam-na, depressa! Ou dispam-na de vez. Mas façam algo digno, por favor
O editorial, da autoria de Nuno Pacheco, publicado hoje no jornal "Público", intitulado "A nova ortografia vai nua? Vistam-na, depressa!", com a merecida vénia:
«Provavelmente nenhum outro país, como Portugal, é tão cioso de querelas ortográficas. As línguas com maior difusão no planeta lidam com o tema de forma simples: aceitam as suas diversidades e seguem adiante. Isso sucede com o Inglês, o Francês ou o Espanhol, sendo que, no caso dos dois últimos, as respectivas academias não se coíbem de propor alterações, mas meramente indicativas.
Os acordos ortográficos são, também, uma originalidade nossa. Depois da revolucionária reforma de 1911, feita a pretexto de “simplificar” a escrita e o ensino, veio o AO de 1945 e, por fim, o AO de 1990 (ressuscitado em 2006 para ser depois imposto em 2011). Pelo meio, houve várias alterações e mexidas de pormenor e tentativas abortadas de fazer outros acordos, alguns até bastante radicais (o de 1986, por exemplo, abolia quase todos os acentos e criava palavras absolutamente ininteligíveis).
Chegámos a 2017 com um quadro muito pouco animador: um comprovado caos na escrita (há cada vez mais exemplos, estão online, e todos os dias são coligidos mais) e as mesmas críticas de sempre, dia a dia ampliadas pela absoluta inércia dos poderes decisórios. A diferença é que, além de vários grupos de cidadãos não terem desmobilizado, a Academia das Ciências de Lisboa veio enfim apontar uma série de erros evidentes e propor a sua correcção. Porquê? Porque a Academia está a refazer o seu Dicionário (até finais de 2018) e quer usar nele uma ortografia digna desse nome. Por isso veio propor um conjunto de “aperfeiçoamentos” que põem em causa muitas opções consagradas no AO.
Claro que, a isto, o ministro Augusto Santos Silva já veio dizer “não”, embora acrescente que “nada está isento nem de crítica nem de possibilidade de melhoria”. Ou seja: está mal, mal continuará. Que as crianças aprendam erros, problema delas. Que pais e professores sejam obrigados a ensiná-los, pouco importa. Isto é uma posição insustentável e mostra como o PS, que revê e reverte tudo e mais alguma coisa, só não revoga aquilo que manifestamente não entende: e isso chama-se ortografia.
O problema é que, depois de a Academia vir a terreiro dizer “o rei vai nu” já não é possível fingir que nada se passa. Políticos e partidos não podem furtar-se à responsabilidade. É preciso agir, de forma consciente (e, como diz a Academia, com bases científicas), abandonando de vez a inércia. A nova ortografia vai nua? Vistam-na, depressa! Ou dispam-na de vez. Mas façam algo digno, por favor.»
sábado, 5 de novembro de 2016
Português, a língua que nos identifica
Com a devida vénia, o editorial do "Jornal de Negócios" de ontem, com o título "A língua que nos pariu", da autoria do jornalista Celso Filipe, subdirector do referido jornal:

Foi também por essa razão que Timor-Leste adoptou o português como língua oficial, quando se tornou um Estado soberano, em 2002. Timor-Leste recusou as outras duas hipóteses, o inglês e o tétum, para se afastar do perigo de uma nova forma de colonização, por via da língua.
Numa outra perspectiva, a China poderá até tornar-se a maior potência económica mundial, mas falhará sempre o fecho do círculo do poder porque o mandarim nunca se constituirá como um língua universal. Ou seja, a língua está longe de ser um assunto secundário no equilíbrio de forças à escala planetária.
A língua pode até aparecer um assunto etéreo, mas só na aparência. Foi pela língua que o cinema e a música dos falantes de inglês, sobretudo os Estados Unidos e a Inglaterra , se tornaram dominantes. Por isso, pode agora parecer extemporâneo classificar como perigosa a invasão de anglicismos que assola Portugal. Não é extemporâneo e é efectivamente um perigo, além de transmitir sinais de subserviência perante uma potência linguística, o inglês.
A situação é ainda preocupante porque estes anglicismos estão a ser incorporados pelas elites, as quais têm uma maior capacidade de os disseminar, e também pelos jovens, mais expostos à língua que manda nas novas tecnologias, o inglês. Depois existem os tristes casos de utilização dos anglicismos por mera parolice ou por preguiça de encontrar sinónimos em português, ou então pela combinação destes dois factores.
A língua que nos pariu em 1139 foi também aquela que deu a identidade a países como o Brasil, Angola e Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau, possibilitando que o português seja hoje a quinta língua mais falada do mundo.
O uso de expressões inglesas, que podem parecer uma moda ou uma forma de universalizar a comunicação em determinados sectores, como o empresarial, é na prática uma cedência de soberania e um acto desnecessário de submissão. A língua que nos pariu, rica, dúctil e identitária, não merece tamanho destratamento. Até porque sem ela não existiria país.»
«P.S.: o título deste editorial é inspirado no livro "O português que nos pariu" da autoria da escritora e jornalista brasileira, Ângela Dutra de Menezes.»
quinta-feira, 21 de julho de 2016
O Professor Sampaio da Nóvoa e os três graus da "gratidão", segundo São Tomás de Aquino

Este ensinamento, aparentemente tão simples, pode ser reencontrado nos diferentes modos de que as diversas línguas se valem para agradecer: cada uma acentuando um aspecto da multifacética realidade da gratidão. Algumas línguas expressam a gratidão, tomando-a no primeiro nível: expressando mais nitidamente o reconhecimento do agraciado. Aliás reconhecimento (como reconnaissance em francês) é mesmo um sinônimo de gratidão. Neste sentido, é interessantíssimo verificar a etimologia: na sabedoria da língua inglesa to thank (agradecer) e to think (pensar) são, em sua origem, e não por acaso, a mesma palavra. Ao definir a etimologia de thank o "Oxford English Dictionnary" é claro: "The primary sense was therefore thought". E, do mesmo modo, em alemão, zu danken (agradecer) é originariamente zu denken (pensar). Tudo isto, afinal, é muito compreensível, pois, como todo mundo sabe, só está verdadeiramente agradecido quem pensa no favor que recebeu como tal. Só é agradecido quem pensa, pondera, considera a liberalidade do benfeitor. Quando isto não acontece, surge a justíssima queixa: "Que falta de consideração!". Daí que S. Tomás - fazendo notar que o máximo negativo é a negação do grau ínfimo positivo (a última à direita de quem sobe é a primeira à esquerda de quem desce...) - afirme que a falta de reconhecimento, o ignorar é a suprema ingratidão: "o doente que não se dá conta da doença não quer se curar".
.../... Já a formulação latina de gratidão, gratias ago, que se projetou no italiano, no castelhano (grazie, gracias) e no francês (merci, mercê) é relativamente complexa. Tomás diz (I-II, 110, 1) que seu núcleo, graça comporta três dimensões: 1) obter graça, cair na graça, no favor, no amor de alguém que, portanto, nos faz um benefício; 2) graça indica também dom, algo não devido, gratuitamente dado, sem mérito por parte do beneficiado; 3) a retribuição, "fazer graças", por parte do beneficiado. No tratado De Malo (9,1), acrescenta-se um quarto significado de gratias agere: o de louvor; quem considera que o bem recebido procede de outro, deve louvar.
No amplo quadro que expusemos - o das expressões de gratidão em inglês, alemão, francês, castelhano, italiano, latim e árabe - ressalta o caráter profundíssimo de nossa forma: "obrigado". A formulação portuguesa, tão encantadora e singular, é a única a situar-se, claramente, naquele mais profundo nível de gratidão de que fala Tomás, o terceiro (que, naturalmente, engloba os dois anteriores): o do vínculo (ob-ligatus), da obrigação, do dever de retribuir.».../...
(Extracto adaptado de "Antropologia e Formas quotidianas - a Filosofia de S. Tomás de Aquino Subjacente à nossa Linguagem do Dia-a-Dia", conferência proferida pelo Professor Jean Lauand na Universitat Autònoma de Barcelona, Dept. de Ciències de l'Antiguitat i de l'Etat Mitjana, no dia 23 de Abril de 1998)
quinta-feira, 5 de maio de 2016
Ainda o (des)Acordo Ortográfico
.../...«Há problemas, muitos, na mesa: o problema legal (que tem vindo a ser apontado por juristas), o problema técnico (o AO tem erros crassos que até os seus apoiantes reconhecem, sem que tenham mexido um dedo para os corrigir nestes anos), o problema internacional (só Portugal e o Brasil o aplicam, de facto, e parcialmente; os restantes países, ou fingem aplicá-lo, ou o ignoram por mil e uma razões: desmotivação, falta de meios, oposição aberta ou velada), o problema dos objectivos não cumpridos (unificação da grafia, inexistente; ou o mercado “comum” de edições únicas, uma quimera já comprovada pela prática) e o problema, esse bem mais grave, do ensino: estão a ser ensinadas coisas às crianças que era suposto já terem sido emendadas e não o foram. “Pior do que isto era não ter acordo algum”, dizem os defensores do AO90. Não. Pior é ter este acordo e ter de suportá-lo como cruz de um calvário que alguém reservou só para nós, mesmo sem qualquer razão válida que o sustente.»
(Excertos do Editorial de hoje do jornal "Público", intitulado «"Acordo” ortográfico e desacordo nacional»)
quinta-feira, 17 de março de 2016
sábado, 12 de março de 2016
Marcelo Rebelo de Sousa e o Acordo Ortográfico
O artigo de opinião de Nuno Pacheco, director adjunto do jornal "Público", intitulado "Ortografia é que não", publicado ontem naquele periódico.

Tudo isto se passou em poucos dias e tudo isto acendeu, para logo atenuar, nova chama na velha querela ortográfica. O vigilante Malaca veio logo clamar que Marcelo, em Belém, teria que se submeter ("é a lei!") e outros exigiram clarificações. Nada de novo, a não ser o disparate do costume. Mas o mais importante reside na frase que rematava o artigo do agora Presidente: "Marcelo Rebelo de Sousa escreve de acordo com a antiga ortografia". Ora a frase é absurda por uma razão simples: não existe uma nova ortografia. Existe, sim, um acordo que destrói a noção mais básica de ortografia, a que vem descrita, com clareza e secura, no relatório académico que antecedeu o acordo de 1945: "Não se consentem grafias duplas ou facultativas. Cada palavra da língua portuguesa terá uma grafia única. Não se consideram grafias duplas as variantes fonéticas e morfológicas de uma mesma palavra" (por exemplo: ouro, oiro; louça, loiça; touro, toiro, etc). Pois a tal "nova ortografia" não só consente como multiplica à exaustão grafias duplas e facultativas. Antes dela, o Brasil tinha uma ortografia. Portugal também. Agora, têm um supermercado de palavras, muitas delas caricatamente deformadas, para usar ao gosto do freguês — o "escrevente".
Ora Marcelo respeitou a ortografia (em vigor, já que nenhuma lei explicitamente a revogou) aprovada em 1945 com bases científicas. O que por aí anda é outra coisa. Chamem-lhe poligrafia, multigrafia, plurigrafia, arbitriografia, o que quiserem. Ortografia é que não. Por isso, se o senhor Presidente quiser poligrafar, poligrafe. Se não quiser, ponha algum tento nisto.»
quarta-feira, 20 de maio de 2015
Mais, sobre o novo acordo ortográfico
.../...«a língua portuguesa não nos une apenas ao Brasil ou a Angola ou a Moçambique, mas também à Espanha, à Itália, à França, mesmo à Inglaterra e a outros países europeus ou de formação europeia. E a esse respeito, o Acordo Ortográfico tem um efeito perverso: afasta o português escrito dessas outras línguas europeias, com as quais tem raízes comuns, por via da rejeição, como em reformas anteriores, da grafia etimológica. A palavra acto assim escrita ainda sugere a palavra act para um inglês que não fale português. Ato, não. Num momento de integração europeia, optamos por uma grafia tropical, destinada a complicar a decifração do português pelos nossos vizinhos e parceiros mais próximos (como se já não bastasse a nossa pronúncia impenetrável). Não vou reclamar o regresso da philosophia. Mas é pena que tivéssemos deixado de ter uma palavra que evocasse imediatamente a philosophie francesa ou a philosophy inglesa. Era aliás assim que Pessoa gostava da sua pátria: “Philosopho deve escrever-se com 2 vezes PH porque tal é a norma da maioria das nações da Europa, cuja ortografia assenta nas bases clássicas ou pseudo-clássicas”.
O Acordo Ortográfico é, entre nós, a última manifestação de um paroquialismo colonial que se voltou contra si próprio: não podendo aportuguesar o Brasil, vamos abrasileirar Portugal, a ver se salvamos o mapa onde não somos pequenos. Mas é precisamente assim que parecemos e somos pequenos. A grandeza, hoje em dia, deveria consistir em tratar os países que têm o português como língua oficial sem fraternidades falsas, paternalismos deslocados, ou sujeições ridículas. E passa também por perceber que há muito mais populações, para além das que falam português, com quem temos uma história e um destino em comum.».../...
(Excerto do artigo de opinião intitulado "O império ortográfico", da autoria de Rui Ramos, publicado em 2015.05.16 no jornal online "Observador")
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