Paulo Varela Gomes, infelizmente já falecido, escreveu esta crónica há pouco mais de 7 anos. A situação a que alude mantém-se sem modificação. Vale a pena recordar. Com a devida vénia,

Mas não são só os polícias. Vejam os estudantes do ensino superior. Também falam rebuscado. Nenhum utiliza o verbo "ter". Nenhum escreve uma frase como "a igreja tem uma abóbada de pedra", para citar um exemplo da minha área. Escrevem: "A igreja possui uma abóbada de pedra." Nem o verbo "fazer": dizem "a igreja de S. Vicente de Fora foi elaborada por Baltazar Álvares". Menos ainda o verbo "ser": escrevem "constitui um projecto". E nem pensar no verbo "pôr": dizem "coloca-se o caixilho".
Reparem também no modo como se eliminou pouco a pouco do português o verbo "querer". Os empregados perguntam-nos nos restaurantes: "E café, vai desejar?" "Querer" é aparentemente um acto demasiado assertivo para os portugueses, talvez até mal educado, tem-se um certo receio de querer ou de perguntar se alguém quer.
Os portugueses de hoje não querem, não são, não têm, não fazem. Desejam, constituem, possuem, elaboram. Só se exprimem verbalmente de duas maneiras: ou dizem "Eu não tenho palavras", ou mais valia que as não tivessem, porque arrebitam a linguagem até ao ridículo.
A utilização saloia do inglês também é típica destes tempos: por que é que escrevemos "on-line"quando não dava trabalho nenhum escrever "em linha"? Olhem em volta para os anúncios: ele é o "retail park", o "express shopping", as férias "low cost" (esta é particularmente significativa: nenhum português faz férias de "baixo custo" ou "baratas"; mesmo que as passem na Cova do Vapor, passam-nas em inglês).
A melhor explicação para esta substituição do português pelo imbecilês é o novo-riquismo. Durante décadas (séculos), a maioria dos portugueses não tinha qualquer hipótese de se exprimir em público, com excepção do círculo familiar. Agora que essa hipótese existe constroem a linguagem como um parolo constrói a sua nova casa... E fazem idêntica figura de parvo.
Mas haja esperança: é bom sinal, por exemplo, que já estejam a desaparecer as bandas e cantores que cantavam em inglês. Nunca percebi se era o sonho de gravar o tal disco em Londres que lhes proporcionasse a fama mundial, se, como é mais provável, a incapacidade de escrever em português duas linhas que fizessem sentido.»
Paulo Varela Gomes, Historiador
Publicado em 2010-07-24 no jornal "Público"
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