segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Do turismo e dos turistas em Portugal

Da autoria de Francisco José Viegas, alguns excertos do artigo de opinião intitulado "Os turistas ou de como, afinal, gostamos de aristocratas", publicado na revista "Sábado" de 17 de Agosto último. Com a devida vénia,

.../...«Bons tempos aqueles em que a capital era visitada – às escondidas – por Woody Allen (ligeiramente antipático, se me permitem) ou Kingsley Amis (bom copo, segundo testemunhos). Naqueles saudosos anos, o turismo trazia-nos, na tradição das visitas de Lord Byron, escritores de primeira linha como Stephen Spender, Christopher Isherwood, W.H. Auden e T.S. Eliot, tal como a Madeira recebia Churchill depois da guerra e Lisboa abria as portas a Calouste Gulbenkian em pleno conflito. Bons tempos. Há uma diferença entre eles e Cantona, Madonna, Monica Bellucci ou Michael Fassbender, que agora poisaram entre nós, mas o problema não são estes: o problema são os que vêm com eles, ou seja, 19 milhões de hóspedes. Ora, o que fazem estes 19 milhões que dormem nos hotéis, alugam apartamentos, ocupam museus, chateiam nos aeroportos, comem sardinhas, fazem sexo com os autóctones ou passeiam em família, enchendo páginas e páginas de Instagram? Turismo. O turismo é um mal das democracias, possibilitando a todos uma espécie de aventura remediada, que é – em vez de atravessarem o deserto numa coluna de camelos ou instalarem-se no Sheraton Full Moon das Maldivas – passarem 10 dias a dormir numa cama do IKEA, pisar merda de cão nas ruas do Bairro Alto e beber vinho decente. Bons tempos aqueles em que o Chiado era um deserto decadente e só uma minoria podia fazer o inter-rail, viajar até às Caraíbas ou ao Brasil e à Tunísia (ir de excursão a Vigo era antes), ir ao Algarve ou visitar o Portugal dos Pequenitos. Infelizmente, Lisboa, Porto, o Douro (até o Douro, que escondemos durante anos numa confortável e deslumbrante miséria) e o Alentejo “entraram na moda”, e hordas de bárbaros vêm comer nos nossos restaurantes, ocupar as nossas praças e descobrir que a nossa cozinha é a mais influente do planeta (segundo a BBC).

A esquerda lisboeta, farta de viajar, muito cosmopolita, gostava mais do Chiado de antigamente, onde havia lojas aonde ia com os tios e ruínas escondidas por tapumes, e não aquela arena de estranhos – precariamente vestidos, de carnes rosadas – que arrastam malas e se sentam na Brasileira ao lado da estátua de Pessoa.

.../...O cúmulo acontece quando, com a SÁBADO na mão, vamos em busca dos nossos segredos mais bem guardados, pérolas escondidas no meio das montanhas, praias resguardadas entre falésias, lagoas nas faldas das serras, aldeias onde não há rede de telemóvel – e o que descobrimos? Turistas.

Antigamente isto não era assim.»

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