Com a devida e merecida vénia, do artigo de opinião de António Barreto publicado ontem sob o título "A morte na primeira pessoa" no jornal "Público", eis a sua parte final,

A minha vida é… minha! Não é de Deus, nem do Estado, nem da família. Quero ser só eu, tão informado e lúcido quanto possível, a decidir sobre a minha vida. São muitos os motivos que me podem levar a querer continuar ou terminar a vida: dor, sofrimento, desespero, resignação, arrependimento, erro, culpa, demissão, abandono, solidão e outras. Sou adversário de qualquer decisão que dispense a minha escolha. Tentarei elaborar um testamento vital, como tentarei dar instruções aos médicos, aos parentes e aos amigos íntimos. Mas, se não conseguir fazê-lo (imprevisão, acidente, perda de razão, etc.), não quero que o Estado, o médico ou um familiar me substituam. Quero que a medicina faça o que tem a fazer, sem encarniçamento. E isso não inclui a legalização da eutanásia. Há mil situações de fronteira, incluindo algumas com riscos, que devem ser consideradas, em cada caso, em cada situação, mas que não exigem lei geral. Sou favorável à despenalização do suicídio assistido, na exacta medida em que essa decisão depende de mim. A minha liberdade é o principal critério de decisão. E não a religião, a dignidade, a lei ou a pressão familiar.
Os defensores da eutanásia invocam o argumento da dignidade (na vida e na morte) da pessoa humana. Fazem bem. E têm alguma razão. Mas não toda. Também há dignidade na maneira como se suporta a dor e o sofrimento. Também pode haver dignidade no modo como se desiste ou renuncia. Por isso, o argumento da dignidade não deve ser invocado. O principal argumento é para mim a liberdade pessoal, a decisão autónoma, expressa e conhecida.
Aludir a outras prioridades, como sejam o desenvolvimento económico, a educação ou a corrupção é absolutamente demagógico: objectivos e prioridades estão em planos diferentes e não são alternativos ou incompatíveis. Do mesmo modo, a utilização do argumento dos cuidados paliativos é semelhante. Não são alternativos. Com ou sem eutanásia, com ou sem suicídio assistido, os cuidados paliativos são essenciais e urgentes. Não é admissível que se dê a entender que existe uma alternativa: eutanásia ou paliativos!
A legalização da eutanásia involuntária é perigosa e moralmente discutível. E remete para o médico e os serviços de saúde, públicos ou privados, decisões polémicas que não deveriam ser as suas. Por isso, respeito a legalização do suicídio assistido. Para quem a liberdade individual é o critério essencial, a decisão pessoal é o factor chave. Sem o factor primordial, a decisão pessoal do doente e a sua liberdade, a eutanásia não deve ser legalizada.»
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