quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Preparar o fim da "Linha Saúde 24"

Esta era já a opinião do dr. José Manuel Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos, expressa no artigo, com o mesmo título, publicado no "Jornal de Notícias" no passado dia 14 de Outubro. Com a habitual e devida vénia:


«A Linha Saúde 24 atendeu cerca de 709 mil chamadas em 2015 - uma média de quase duas mil por dia - e terá alegadamente evitado que 191 mil pessoas fossem aos centros de saúde ou urgências hospitalares.

O que significam realmente estes números?

Em Portugal temos mais de 5000 equipas de família (EqF) nos cuidados de saúde primários (CSP), constituídas por médico(a) de família (MF), enfermeiro(a) de família, secretária(o) clínica(o) e outros profissionais de saúde.

Mesmo considerando que em 2016 esta linha está a receber 2300 chamadas/dia, isto representa menos de um telefonema de dois em dois dias para cada EqF, ou seja, não tem qualquer expressão em termos de carga de trabalho.

Por outro lado, alegadamente terão sido evitadas 191 mil idas ao médico por ano, ou seja, 523 consultas por dia. Bem, atualmente há 421 unidades de saúde familiar (USF) em funcionamento, e mais em constituição, o que significa que isto representa uma consulta por dia por USF, caso os contactantes pertencessem todos a USF.

Todavia, se fizermos a análise em termos de EqF, significa que foi evitada uma consulta por EqF de dez em dez dias! De uma forma ou de outra, perfeitamente irrelevante em termos de carga de trabalho.

Considerando que as consultas alegadamente evitadas são as situações clínicas mais simples (febrículas, ranhocas e outras dúvidas ligeiras), pois um atendimento telefónico por um protocolo não pode fazer mais do que isso, facilmente se percebe como os CSP podem e devem absorver com facilidade este movimento telefónico e de consultas.

Quando foi idealizada, a Linha Saúde 24 procurou fazer face essencialmente aos portugueses que não tinham MF ou que, por alguma outra razão, podiam sentir alguma dificuldade de acesso a um aconselhamento ou informação mais ligeira na área da saúde.

Porém, esta matemática simples demonstra inequivocamente a futilidade deste serviço quando todos os portugueses tiverem o seu MF e a sua EqF, o que, previsivelmente, acontecerá no final do próximo ano.

A partir de então, os cidadãos deverão contactar sempre e previamente a sua EqF nos CSP, seja USF seja UCSP, que os conhece pelo nome e que conhece a sua história clínica, podendo aconselhá-los com muito mais qualidade e eficiência, tal como já hoje acontece entre aqueles que têm acesso ao seu MF.

Se quiserem manter uma linha telefónica para outro tipo de serviços, façam-no, mas aligeirada e muito mais barata. Todavia, para aconselhamento em saúde não se justifica e será apenas mais um desperdício. Comece-se já a preparar tranquilamente o fim da Linha Saúde 24.

Os 30 milhões que custará esta linha em quatro anos podem ser mais eficientemente utilizados a equipar melhor e a alargar o horário de abertura dos CSP, dois verdadeiros problemas que carecem de solução. Os doentes agradecem.»

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