«A 'revolução petrolífera' (...) foi acentuada na última
reunião da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Nessa
reunião a Arábia Saudita impediu os cortes na produção de petróleo
desejados por vários países produtores, como a Venezuela e a Nigéria,
aflitos com a queda dos preços do crude. A recusa saudita acelerou a
queda.
A OPEP esteve na origem dos dois grandes "choques petrolíferos", com
aumentos brutais do preço do crude em 1973 e 1979. Choques que puseram
fim a três décadas de notável crescimento económico do mundo
industrializado. Surgiu, então, um fenómeno novo: a ocorrência
simultânea de inflação (impulsionada pelo encarecimento do petróleo) e
de estagnação económica - a 'estagflação'. Só que nessa altura a OPEP
abastecia mais de metade do mercado mundial de crude; hoje abastece,
quando muito, um terço. A OPEP já não é o 'papão' que era.
Para Portugal, que importa todo o petróleo e o gás natural que consome, a
descida do seu custo ajuda o crescimento económico. Mas seria uma
ilusão pensar que os preços do crude se manterão durante longos anos nos
baixos níveis actuais. O mercado funciona, mesmo num sector tão
politizado como o do petróleo. Em 1987 o barril de crude valia metade do
preço de 1981. E hoje custa menos de metade do que custava em 2008.
A recusa saudita de reduzir a produção teve intuitos políticos -
prejudicar o Irão e a Rússia, cujos custos de produção petrolífera são
muito superiores aos sauditas, os mais baixos do mundo, entre 5 e 10
dólares o barril. Mas também visou combater o espectacular crescimento
da produção de petróleo e gás nos Estados Unidos graças à perfuração de
rochas de xisto (fracking).
Com o barril de crude ao actual preço à volta de 70 dólares vários
empreendimentos americanos que recorrem ao fracking (não todos, longe
disso) tornam-se deficitários. O que pode levar à paragem da respectiva
produção ou, pelo menos, à suspensão de novos investimentos. Em regra as
grandes multinacionais petrolíferas só lançam empreendimentos de alto
custo (no mar, sobretudo) com o barril a 80 dólares.
Cortes na produção e no investimento levarão a uma redução da oferta de
petróleo no mercado, pressionando os preços, a prazo, no sentido da
alta. No mesmo sentido joga o maior dinamismo da actividade económica
mundial provocado pela actual baixa dos preços, aumentando a procura de
petróleo.
Pelo contrário, se houver progressos substanciais na capacidade de
armazenagem das baterias multiplicar-se-ão os automóveis eléctricos,
travando o consumo de combustíveis. E a baixa do preço do petróleo
ameaça reforçar as pressões deflacionistas que, a não serem eficazmente
contrariadas (o BCE continua a adiar medidas), poderão trazer a
estagnação das economias e a consequente baixa da procura de petróleo.
Claro tudo pode ser alterado por factores imprevistos: eventuais
inovações tecnológicas no fracking (reduzindo o risco ambiental, por
exemplo) e noutras técnicas de exploração de petróleo, um conflito
militar sério no Médio Oriente, perturbações políticas na Arábia
Saudita, etc. Para já, os especialistas apontam para alguma recuperação
do preço do crude em 2015 e 2016, subindo mais de 10 dólares o barril.
Será, por isso, imprudente Portugal contar com petróleo barato no futuro
previsível.»
(Do artigo de opinião de Francisco Sarsfield Cabral, intitulado "As incertezas do petróleo", publicado no jornal "Sol" online em16 de Dezembro de 2014)
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