Com a devida vénia, aqui fica o editorial publicado hoje no jornal "Público", da autoria de Manuel Carvalho,

Não custa muito reconhecer a bondade dos argumentos do Governo que quer a aplicação dos resultados do referendo que determinaram o Brexit, como faz sentido acolher a sensatez das teses que pretendem impedir um Brexit a qualquer preço. O que o confronto destas legítimas opções políticas tem mostrado, porém, é a falta de um terreno comum para uma decisão e, ainda mais, para um compromisso. A mentira de uma saída fácil da União Europeia após quase meio século de experiência comum arrasta consequências difíceis de imaginar. Hoje, a forma como um dos seus arautos, Boris Johnson, tenta mitigá-las, recorrendo a expedientes que violam grosseiramente as regras democráticas, é apenas mais uma prova da sua culpa e da sua irresponsabilidade. Não lhe bastava a nódoa do Brexit; agora, Johnson é também culpado pela nódoa da agressão ao Parlamento.
Chegamos ao ponto em que a democracia é torturada para permitir que cada uma das facções tente anular a outra. O resultado é o que se vê: paralisia, confusão, tentação pela ilegalidade e a raiva que desloca os cidadãos para posições extremadas. Nada na política britânica faz hoje sentido e cada vez menos as coisas encaixam na sua lógica institucional. O Reino Unido está-se a perder no sectarismo e a falta de uma luz ao fundo do túnel agravam o problema. No meio da cacofonia, a democracia resiste porque os seus alicerces são sólidos e experimentados. A sua incapacidade para dirimir a tragédia do Brexit, porém, começa a abalar esses fundamentos. Se há uns meses lhe dissessem, caro leitor, que no Reino Unido um Governo tentaria suspender ilegalmente o Parlamento seria capaz de acreditar?»
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