Com a devida vénia, eis o editorial de hoje do jornal "Público", com o mesmo título, da autoria de Manuel Carvalho,
«O primeiro-ministro regressou por instantes à insensibilidade de Pedrógão. Com o fogo fora de controlo, só ele viu uma “excepção” numa suposta operação de “sucesso”.
Após seis dias de incêndio em Monchique, depois de quase 25 mil hectares de área ardida, 30 feridos, campos e casas destruídas, aldeias em fuga e centena e meia de pessoas deslocadas, não fica bem a um primeiro-ministro congratular-se com os milagres das políticas de prevenção do seu Governo. Nós sabemos que a zona é difícil, que o mato foi limpo nas orlas das povoações, que por lá se construíram faixas de gestão de combustível, que a Protecção Civil recorreu a uma poderosa conjugação de meios humanos e materiais para conter as chamas. Mas não, Monchique não é “a excepção que confirmou a regra do sucesso da operação [de combate aos incêndios] ao longo de todos os outros dias”, como disse ontem António Costa. Monchique é, pelo contrário, a prova de que ao primeiro teste difícil o aparato de combate aos fogos falhou.
António Costa é um “incorrigível optimista”, mas ao exibir esta sua faceta de homem providencial contaminou o optimismo com a insensibilidade. Aconteceu em Pedrógão, aconteceu em Outubro, volta a acontecer no Algarve. Costa é mais vítima do que responsável pelo drama dos fogos, mas, a partir do momento em que se insinua como herói para esvaziar o debate político, desce ao rés-do-chão da lamentável querela que os partidos alimentam em torno do fogo. E fica à mercê de perguntas incómodas. Monchique, uma excepção, quando arde de forma incontrolável? Uma excepção depois de tantos avisos sobre a sua vulnerabilidade? Uma excepção, quando a Protecção Civil quebra as suas próprias regras operacionais na definição das cadeias de comando? Uma excepção, quando se sabe que a gestão operacional foi caótica (dizem os bombeiros)?
Monchique não é uma excepção, porque bastaram os primeiros dias mais quentes para que a vulnerabilidade da floresta e a debilidade do sistema de combate se revelassem de forma cruel. António Costa devia lamentar a destruição e o sofrimento e podia dizer que o seu Governo fez pela prevenção o que nenhum outro fez até agora. Mas não: quis pôr-se em bicos de pés e capitalizar. Ao fazê-lo entre o caos de Monchique acendeu o rastilho da incompreensão ou do desdém. O país preocupado e comovido com o drama dos concidadãos de Monchique ou de Silves não sabe de que sucesso está a falar. E não lhe perdoa a soberba.»
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