Conclusão do artigo de opinião de António Vaz Carneiro, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) e director do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da FMUL, intitulado "Devemos ser cuidadosos a pedir mais investimento para o SNS?", publicado na revista "Visão" do dia 9 de Maio de 2018. Com a devida vénia,
.../... E isto porque, à semelhança de muitos outros países, existem áreas do nosso SNS em que que os padrões de prática se caracterizam por ofertas de cuidados com baixa probabilidade de induzir melhoria da qualidade de vida ou aumento da sobrevivência, com mais risco do que benefício e que os doentes provavelmente não desejam. Incluem-se nestes cuidados intervenções sem eficácia comprovada ou com uma relação benefício-risco ou custo-benefício com perfil desfavorável.
Estas áreas designam-se como os da sobreutilização de recursos (em oposição às já mencionadas subutilização ou utilização racional) e caracterizam-se por uma grande intensidade de testes diagnósticos e consequentes tratamentos (Dartmouth Atlas of Health Care). Este é o conceito paradoxal da saúde, em que quanto maior a oferta, maior o consumo: quando há muita oferta de serviços - especialistas, consultas médicas, tecnologias de imagem, camas hospitalares, check-ups, etc. – há subsequente consumo elevado dos mesmos.
Neste caso o que se verifica é a ausência de consenso de quais serão as melhores práticas para todas as possíveis situações clínicas, o que favorece este tipo de consumerismo médico, raramente baseado na evidência e muito prevalente em certos subsistemas de saúde. Este tipo de cuidados é claramente muito mais dispendioso e os doentes – apesar de eles próprios esperarem maior intensidade de cuidados – acabam por classificar as suas experiências como piores, passando mais dias internados em hospitais, a serem vistos por muito mais médicos, a fazerem muito mais testes em sistemas mais desorganizados e com resultados qualitativamente menos bons (JAMA Intern Med 2017;177:675-682). Por exemplo, existe evidência de excelente qualidade demonstrando uma maior mortalidade nos doentes com mais de 80 anos, quando os seus factores de risco cardiovascular (hipertensão arterial, colesterol ou diabetes) são tratados tão intensamente como os de doentes muito mais novos (J Am Geriatr Soc 2016;64:1425-1431). Por outras palavras, em idades avançadas os doentes devem ser tratados gentilmente, com pouca intervenção global e com muito cuidado com as reacções adversas dos medicamentos.
Após o exposto, a resposta à questão inicial referente a um maior investimento no nosso SNS deverá reflectir em 1.º lugar a redução do financiamento das práticas que se classifiquem como de sobreutilização, simultaneamente com um aumento das que se provem ser insuficientes (subutilização de recursos). E, especificamente neste caso, não será necessário financiamento de novo, antes uma redistribuição dos recursos.
É fácil fazer isto?
Claro que não, já que requer um sistema de informação muito rigoroso sobre os padrões de prática, classificação inequívoca desta em relação à melhor evidência científica de base, aceitação pelos profissionais de saúde como sendo exagerados e com resultados de fraca qualidade. Mas parece-nos que sob o ponto de vista ético não há alternativa: antes de pedir mais financiamento, devemos primeiro garantir que o que temos é bem gasto em termos dos resultados finais para os doentes.»
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