segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Hospitais veterinários públicos num país com um Serviço Nacional de Saúde em déficit crónico?

A crónica de opinião de Inês cardoso, subdirectora do "Jornal de Notícias", publicada hoje sob o título "Este orçamento não é para velhos". Com a merecida vénia,

«Nos últimos anos os direitos e bem-estar dos animais têm suscitado intensos debates no espaço público e esse enfoque só pode ser positivo. Haverá muitos indicadores para medir o progresso civilizacional e um deles é seguramente a maneira como tratamos os animais. Desde 2014 que os maus-tratos a animais de companhia constituem crime e está prestes a entrar em vigor a lei que permite a restaurantes optar por lhes autorizar a entrada.

Os críticos do espaço que cães e gatos têm vindo a ganhar socialmente e na afetividade das famílias argumentam que essa importância é excessiva e que a atenção e empatia dos proprietários deveria ser canalizada para os humanos. O argumento é falacioso, porque os afetos são ilimitados e nenhum exclui o outro. É possível ser-se defensor dos direitos dos animais, dedicar-lhes tempo e atenção e simultaneamente ser a pessoa mais cuidadosa e ativa a zelar pelo bem-estar do vizinho do lado.

O mesmo não se pode dizer, contudo, dos recursos financeiros, sobretudo se eles forem públicos. Tomar decisões orçamentais implica fazer escolhas orientadas em função de prioridades. E é aqui que o debate ganha uma nova dimensão. Ontem, nestas páginas, referia-se a proposta do PAN (Pessoas-Animais-Natureza) no sentido de serem criados hospitais veterinários públicos. Algo que até o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários duvida que seja possível a curto prazo, devido às "verbas astronómicas necessárias".

Num país em que a dívida pública representa 126,2% do PIB e com um Serviço Nacional de Saúde (SNS) em crónico défice, pensar em canalizar investimento para tratamentos de animais de companhia é irrealista. E é até uma ofensa para doentes que esperam anos por cirurgias e consultas de especialidade.

Antes de começarmos a formalizar e discutir com seriedade propostas de criação de um SNS para animais, convém recordarmos dados como os que nos últimos dias foram divulgados sobre os nossos idosos. Num estudo da Organização Mundial de Saúde que envolveu 53 países, Portugal está no topo dos que menos investem na terceira idade. Da mesma forma que não sabemos quantos sem-abrigo vivem nas nossas cidades. Enquanto os recursos não chegarem para tudo, são necessárias escolhas. E não se trata de desvalorizar os animais. Apenas de tratar de forma diversa aquilo que é efetivamente diferente.»

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