Continuação e conclusão do artigo com o mesmo título, da autoria de Miguel Mauritti, publicado no "Jornal Económico". Com a devida vénia,
.../...«Os autores do estudo apontam diversas situações em que o problema ocorre: por exemplo, quando a nova tecnologia aumenta o tempo de vida de um doente com historial de elevados custos anteriores. É o que acontece quando se aumenta a longevidade de doentes em hemodiálise. O aumento do tempo de vida não é, em si, um ganho em termos de QALY. O doente vive mais, mas com a mesma condição, continuando a fazer hemodiálise.
Outro exemplo é de novas tecnologias que prolongam o tempo em que o doente permanece num nível de cuidados altamente dispendioso, atrasando a sua passagem para níveis de cuidados menos dispendiosos. Acontece com a adição de um novo tratamento a um tratamento por quimioterapia pré-existente e em que os tratamentos anteriores foram muito dispendiosos.
Outro exemplo é de novas tecnologias que prolongam o tempo em que o doente permanece num nível de cuidados altamente dispendioso, atrasando a sua passagem para níveis de cuidados menos dispendiosos. Acontece com a adição de um novo tratamento a um tratamento por quimioterapia pré-existente e em que os tratamentos anteriores foram muito dispendiosos.
Um terceiro exemplo é o prolongamento do tempo de vida propiciado por um novo medicamento que induza a ocorrência de um evento não relacionado. É a situação de um tratamento bem-sucedido de uma condição oncológica que torna possível uma intervenção muito dispendiosa.
“É claro que se pode argumentar que um doente que esteja a fazer diálise ganha com o prolongamento da sua vida. Mas não é essa a questão que o estudo agora apresentado levanta, mas, isso sim, uma questão de equidade”, aponta o professor da Faculdade de Medicina de Lisboa. “Se vamos gastar esse dinheiro com aquele doente, vamos deixar de ter dinheiro para outras intervenções, possivelmente mais custo-efetivas, como por exemplo o controlo da hipertensão”, diz.
Se a verba necessária para aumentar o tempo de vida do doente em diálise, for utilizada para prevenir 20 enfartes agudos do miocárdio e 10 AVC, os ganhos são objetivamente maiores.
Vaz Carneiro salienta que a questão apenas se coloca em sistemas suportados pelo erário público, como o português ou o britânico. Já nos Estados Unidos, em que vigoram as regras de mercado, a questão não se coloca. Quem tem um bom seguro de saúde tem acesso ao medicamento, quem não tem não acede à inovação. “É o mercado a funcionar, ainda que de modo que para nós é aberrante”, aponta Vaz Carneiro.
Se a verba necessária para aumentar o tempo de vida do doente em diálise, for utilizada para prevenir 20 enfartes agudos do miocárdio e 10 AVC, os ganhos são objetivamente maiores.
Vaz Carneiro salienta que a questão apenas se coloca em sistemas suportados pelo erário público, como o português ou o britânico. Já nos Estados Unidos, em que vigoram as regras de mercado, a questão não se coloca. Quem tem um bom seguro de saúde tem acesso ao medicamento, quem não tem não acede à inovação. “É o mercado a funcionar, ainda que de modo que para nós é aberrante”, aponta Vaz Carneiro.
O custo para o Estado
Para o investigador, a questão do custo das novas terapias não pode deixar de ser debatida como prioridade. Isto porque, diz, “os Estados não têm como suportar a inovação que está a surgir todos os dias, sob pena dos sistemas de saúde colapsarem”. Um exemplo: “Há uma doença chamada hemoglobinúria paroxística noturna, uma doença que faz com que durante a noite, ocorra a destruição súbita de glóbulos vermelhos e consequente libertação de hemoglobina no sangue, o que com o tempo conduz a anemia grave. Até agora, a única solução que havia para tratar este problema era o recurso a transfusões, que podem ter que ser realizadas várias vezes por ano ou, em alguns doentes, uma vez por mês. O problema é que com a transfusão os níveis de ferro que se vai acumular no corpo do doente aumentam, podendo levar à morte. O que se faz atualmente é recorrer a medicamentos que reduzem a carga de ferro no sangue (quelante de ferro). Estes doentes têm em média uma esperança de vida de entre 10 e 15 anos após o diagnóstico, que é feito na adolescência. E acabam por morrer com acumulação de ferro no organismo, porque a certa altura já não respondem mais ao quelante”. Trata-se de uma doença muito rara, que se estima afete apenas escassas pessoas em Portugal. Ora, aponta Vaz Carneiro, “recentemente a investigação farmacêutica descobriu um novo medicamento eficaz no tratamento desta doença, que quase anula a necessidade de transfusões e aumenta a sobrevida entre 10 e 15 anos. Em vez de morrer aos 30, morre agora aos 45, o que é um ganho muito significativo. Só que há um problema, aponta o diretor do CEMBE: “O novo medicamento custa cerca de meio milhão de euros por ano/doente. Ora, somados os custos da medicação feita anteriormente mais os do novo medicamento, este doente vai custar 17,5 milhões de euros ao SNS durante toda a sua vida. É muito ou pouco?”, pergunta. E responde: “Como gestor, confesso que me custaria muito justificar este custo; como médico, não deixaria de recomendar o medicamento”.
A questão é polémica, reconhece o professor universitário, mas tem de ser enfrentada de uma forma transparente, envolvendo todos os sectores da sociedade. É esta, como um todo, que deve decidir, de preferência juntando à discussão um modelo científico sólido, de suporte à decisão e depois decidir.»
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