quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Quando os medicamentos não são custo-eficazes (1)

Primeira parte de um artigo com o mesmo título, da autoria de Miguel Mauritti, publicado no "Jornal Económico". Com a devida vénia,

«Os médicos e administradores hospitalares, responsáveis pela otimização dos custos das intervenções efetuadas nos doentes que tratam, enfrentam atualmente um novo e singular problema: tecnologias clinicamente eficazes, mas que revelam não ser custo-efetivas, mesmo se o seu custo fosse zero, o que não acontece. Este problema, que os especialistas designam de não custo-eficácia a preço zero (NCEZP, na sigla inglesa), dá-se com medicamentos desenvolvidos para populações com historial de tratamento de custo muito elevado que permitem prolongar a vida dos doentes, mas sem ganhos a nível de QALY (quality-adjusted life year – uma medida que procura analisar os ganhos em quantidade e em qualidade de vida).

Com o objetivo de identificar, no contexto português, tecnologias da saúde clinicamente eficazes, mas com resultados negativos em termos de custo-eficácia, e propor soluções que permitam alterar a análise e o processo de tomada de decisão de modo a resolver o problema, uma equipa de investigadores do Centro de Estudo Aplicados da School of Business and Economics da Católica Lisbon, e do CEMBE – Centro de Estudos de Medicina Baseados na Evidência, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, realizaram um estudo, cujos resultados mostram diferentes situações em que o fenómeno ocorre e propõem soluções para o resolver.


Utilidade versus custo

“O standard atual na avaliação das novas tecnologias da saúde, e no caso do estudo agora apresentado, dos medicamentos, é a análise de custo-efetividade, que avalia a eficácia versus o risco e, simultaneamente, o impacto económico. Ora, o que esta análise produz é, entre outras coisas, o chamado rácio custo-eficácia incremental (ICER, na sigla inglesa), que nos diz se o benefício acrescido que um novo medicamento traz, quando comparado com as opções existentes, justifica o valor extra que custa”, explica António Vaz Carneiro, diretor do CEMBE, ao Jornal Económico. “Dito de outro modo, se o benefício que se obteria com a introdução de um novo medicamento justificaria, ou não, o preço a mais que ele vai custar, quando comparado com as opções atuais”, reforça.

Normalmente, esta análise é feita comparando os novos medicamentos com outros já existentes indicados para o tratamento de uma dada doença. Já quando se trata de doenças para as quais ainda não existem opções terapêuticas, ou estas são escassas, os valores aceitáveis são muito elevados. “Por exemplo, se tivermos um novo medicamento para a diabetes, doença para a qual já existem dezenas de fármacos no mercado, o valor do QALY será muito inferior ao do aceite para uma nova molécula que vem suprir uma necessidade clínica ainda não satisfeita, por exemplo para o tratamento de uma doença rara ou para a qual não existe tratamento disponível. Numa doença rara, um QALY pode facilmente atingir 500 mil euros”, refere. É evidente que “o valor que os contribuintes vão ter que suportar não é apenas o do novo fármaco, mas o de todos os fármacos que um determinado doente tomou para a tratar a sua doença: o custo global de um dado doente. Se a este valor global adicionarmos o custo de um novo medicamento, inovador, pode acontecer que este novo medicamento, mesmo que fosse a custo zero (uma impossibilidade prática no contexto actual do mercado), não seja custo-efetivo”, explica Vaz Carneiro.».../...

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