Com a merecida vénia, eis o artigo de opinião de Henrique Monteiro, intitulado "Não deem cabo do SNS", publicado no jornal "Expresso" online, no passado dia 9 de Novembro:
«Há uns tempos, numa mesa-redonda na qual fiz a moderação, alguém disse com um humor cáustico e talvez um pouco fúnebre, que Keynes hoje em dia não diria que “a longo prazo estamos todos mortos”, mas sim que “a longo prazo andaremos todos à procura de um lar em condições para sobrevivermos os últimos anos da velhice.” Vivemos hoje muito mais do que no tempo do mais citado dos economistas. Vivemos mais porque somos mais bem tratados, porque existem medicamentos, técnicas, diagnósticos mais precisos. E tudo isto é muito mais caro.
Quando o NHS começou no Reino Unido, há cerca de 70 anos, e mesmo quando o correspondente SNS começou em Portugal há cerca de 40 anos, nada disto era assim. Basta dizer que tanto homens como mulheres tinham em 2015, em Portugal, mais 15 anos de vida (quase 78 para os homens, mais de 83 para as mulheres). Nos dois últimos anos de vida um cidadão gasta ao SNS praticamente o mesmo do que no resto da sua vida. E com isto pretende-se dizer algo simples: nem é preciso gerir mal o SNS para rebentar com ele. Basta gerir bem a saúde. E acontece que a Saúde é a área de maior sucesso em Portugal depois do 25 de Abril.
A esperança média de vida continua a aumentar. Para tal contribui muito a saúde desde a nascença (logo nos partos), mas também causas exógenas à Saúde, como o fim da guerra colonial ou, mais ainda, a drástica diminuição de mortes na estrada. É por isso que os défices na Saúde, sendo um problema para o ministro das Finanças podem ser uma vitória para o país.
Claro que é sempre possível gerir melhor os recursos, acabar com desperdícios, racionalizar custos. Mas, no essencial, o SNS vai ser cada vez mais caro. Também porque se criou um mito sobre a morte – que tem de haver culpados sempre que alguém morre. Também porque cada vez se sabe mais (o velho ‘ar que lhe deu’ tem agora causas precisas). Também porque os médicos são tão defensivos que nem necessitam do antigo ‘olho clínico’. As máquinas, também cada vez mais caras, fazem diagnósticos precisos a preços de rei midas.
Ora, quando sabemos que o SNS está suborçamentado em cerca de mil milhões de euros por ano e estes números não partem de sindicatos, mas do próprio Conselho Nacional de Saúde; quando vemos o próprio Conselho Económico e Social (presidido pelo ex-ministro da Saúde Correia de Campos) concordar com esta análise; quando os sindicatos e a Ordem dos médicos também os confirmam, de uma coisa estamos certos: a suborçamentação é propositada. Não é por ignorância, por expectativas irrealistas ou por otimismo irritante. É, verdadeiramente, grave.
E se hoje, apesar do silêncio do costume em relação ao que corre mal no Governo, se fala disto é porque não se pode esconder mais. Fosse outro o Governo e teria direito a escândalo nacional – recordo que nos anos mais negros do resgate o Governo (e o ministro Paulo Macedo) eram acusados de querer destruir o Serviço Nacional de Saúde. Hoje nada disso se ouve, salvo esparsamente por pessoas ligadas ao poder, mas de espírito independente, embora estejam a destruir o SNS, aquele bem que, depois do Sol com que a natureza dotou o país, tem uma atratividade económica brutal.
Quando sabemos das dívidas a fornecedores, das guerras e guerrinhas dos trabalhadores que se acham mal pagos (e no geral são-no) em relação à responsabilidade e às horas que trabalham, é necessário que o ministro (mas mais do que um ministro simpático, mas com pouco poder, o Governo e o primeiro-ministro) percebam que muita coisa pode ser perdoada, mas não a destruição do SNS, mas não o aumento das listas de espera, o atraso das operações. Deveria ser este um dos assuntos centrais da discussão política, mas infelizmente não tem sido.
Não basta encher a boca de solidariedade social e de apoio aos mais desprotegidos. O SNS é a pedra de toque da seriedade de todo esse discurso. E a continuar assim confirma-se que todo esse discurso é – perdoem-me Vexas – treta.»
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