sábado, 25 de novembro de 2017

Infarmed entre o norte e o desnorte

A crónica de opinião de António Freitas de Sousa, com o mesmo título, publicada hoje no "Jornal Económico". Com a merecida e habitual vénia,

«Eis um problema que não tem nenhuma razão de ser. O Governo podia ter evitado um caso que vai acabar por correr-lhe mal.

A vinda do Infarmed para o Porto – que quase de certeza nunca acontecerá – parece uma daquelas conversas que se têm no final de uma noite de copos e da qual nos arrependemos mal acordamos na manhã seguinte. Esta espécie de compensação pelo fracasso – que nunca esteve em dúvida – da corrida à instalação da Agência Europeia do Medicamento na cidade, vinda de um governo que pouco fez para que isso sucedesse é pouco mais que uma piada de mau gosto.

Na última vez que a comissão organizadora da candidatura realizou uma conferência de imprensa, no Palácio da Bolsa, nenhum membro do Governo teve agenda suficientemente folgada para estar presente. Nem sequer um sub-secretariozito de Estado (a haver algum, não tenho de cor o organigrama do executivo). Nada. Era um momento importante: dava-se a partir dai início à fase de lóbi junto da União Europeia e era preciso, diziam os representantes, presentes, da câmara municipal do Porto e da Associação Comercial do Porto, que todas as entidades envolvidas dessem mostras de estarem unidas na defesa da causa.

Avisadamente, a ausência do Governo parecia dar a entender que o executivo – que em primeira instância queria levar a agência para Lisboa – tinha expectativas muito baixas sobre a eventualidade de um desfecho favorável à cidade. Percebe-se: o Governo tem tantos motivos para fazer lóbi junto da União Europeia, que não parecia simpático estar agora a maçar os senhores com assuntos menores.

Faz algum sentido modelar o esforço despendido a fazer o que quer que seja às expectativas que se têm – se estas forem sensatas. Não vale a pena desperdiçar energias. O Porto estava calhado para perder – até porque havia ali uma história mal contada sobre os locais onde a agência se iria instalar – acabou por perder, a escolha de Amsterdão é perfeitamente aceitável, e a coisa morria ali.

Depois veio esta coisa disparatada do Infarmed. A primeira pergunta que se deve colocar é óbvia: mas que culpa têm os 300 ou 350 trabalhadores da organização? Haverá ao menos um que tenha ficado feliz com o anúncio da deslocalização? Não é provável.

A segunda pergunta também é óbvia: quanto dinheiro é que vai custar a mudança? Com certeza que os fundos imobiliários já estão a mandar emails com propostas de relocalização, mas para que raio é que se vão gastar recursos necessariamente finitos sem que haja qualquer racional que o motive?

Outra óbvia: para que é que o governo tomou uma decisão claramente incapaz de um mínimo de consensualidade, se ninguém lhe pediu nada? Não terá já António Costa chatices suficientes para estar a arranjar problemas onde não os há? Ninguém consegue prever o desfecho deste desnorte do Infarmed, mas o mais certo é que António Costa vai acabar por sofrer os efeitos colaterais de um problema que podia muito bem não ter sido criado. E como o mais provável é que a agência se mantenha em Lisboa – e bem – o assunto vai acabar por moer a paciência do primeiro-ministro. Sem nenhuma necessidade.»

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