segunda-feira, 14 de agosto de 2017

É boa ideia fazer um "check-up" médico anual? (1)

Primeira parte de um interessantíssimo e bem fundamentado artigo de opinião de David Marçal, com o mesmo título, publicado ontem no jornal "Público". Com a habitual vénia,

«Há coisas inacreditáveis que são mesmo verdade e outras que parecem certas mas que não resistem a uma análise crítica. Fazer exames médicos de rotina, mesmo sem qualquer sintoma, parece uma boa ideia, mas na realidade pode causar mais problemas do que aqueles que previne.

No final do século XX abundavam em Portugal campanhas que promoviam o auto-exame como forma de detecção precoce do cancro da mama. Como adolescente não ficava indiferente aos panfletos com instruções, que continham desenhos de mulheres com as mãos nas mamas, ou mesmo fotografias em que os mamilos apareciam encobertos. Hoje essas campanhas são marginais e não deveriam existir de todo. Apesar de o cancro da mama ser uma importante causa de mortalidade entre as mulheres e a detecção precoce de qualquer cancro ser uma vantagem, não há benefício no auto-exame. Isso mesmo mostrou uma revisão sistemática da literatura médica feita em 2003 pela Cochrane, uma colaboração internacional de cientistas que revêem voluntariamente a literatura médica.

Os autores tiveram em conta dois grandes estudos, que abrangeram 388.535 mulheres, divididas aleatoriamente em grupos que faziam ou não auto-exame mamário. Os dados mostraram que não havia uma redução de mortalidade por cancro da mama entre as mulheres que se auto-examinavam. O que havia era quase o dobro das biópsias, que são procedimentos médicos com riscos. Muitas mulheres foram submetidas a cirurgias desnecessárias, por causa de situações benignas que nunca iriam causar problemas. Os autores ressalvaram que as mulheres devem consultar um médico caso se deparem com uma alteração suspeita, mas não recomendam a realização periódica de auto-exames. Este caso ilustra os problemas que podem resultar da obsessão pela medicina preventiva: detecção de situações irrelevantes que levam a intervenções médicas desnecessárias, com um balanço desfavorável entre riscos e benefícios.»
.../... (continua)

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