terça-feira, 25 de julho de 2017

A propósito da comunidade cigana em Portugal

Com a devida vénia, excertos da crónica de opinião de José Pacheco Pereira, intitulada "Trump e os ciganos", publicada ontem no jornal "Público",

.../...«A linha vermelha não está em calarmos situações inaceitáveis que são permitidas a um número significativo, infelizmente significativo, de membros da comunidade cigana; está em considerarmos que eles fazem o que fazem porque são ciganos. Na verdade, eles fazem o que fazem porque a sociedade, as forças da ordem, os políticos, a comunicação social, lhes permitem que o façam e penalizam quem queira impor o primado da lei, como sendo “racista”. E o mais absurdo é que grupos que ideologicamente deveriam falar não o fazem em nome de um anti-racismo puramente subordinado à luta política. O caso mais flagrante é o da condição feminina, a que voltaremos adiante.

A comunidade cigana é a comunidade mais excluída e marginalizada de Portugal, muito mais que os negros, os muçulmanos e outras comunidades como a chinesa, a paquistanesa, a nepalesa, etc. Em todas estas comunidades há casos de abusos, como basta andar no Alentejo para se perceber, com formas de trabalho quase a roçar a escravatura, mas são processos que são mais ignorados, e mal, do que escondidos. E existe uma correlação entre a marginalização e o crime, e os ciganos, frequentadores habituais dos tribunais nos processos de tráfico de droga, sabem bem disso.

Há igualmente fenómenos culturais que acompanham, aliás em toda a Europa, a marginalização dos ciganos. São vistos como gente que não tem higiene, que vive promiscuamente, que ocupa terrenos que não lhes pertencem e cometem vários abusos contra a propriedade. Este tipo de estereótipos tem a ver com a sua condição de nómadas numa sociedade sedentária, embora hoje a vida nómada tenha no caso português menos relevância na conflitualidade do que a sua colocação em bairros sociais que funcionam como guetos.

A exclusão e a marginalização explicam a elevada incidência de subvenções estatais contra a pobreza, que são vistas pela população igualmente pobre, mas muito menos excluída, como sendo os ciganos gente “que não quer trabalhar”. O que o silêncio patrulhado que existe sobre os desmandos de alguns grupos de ciganos, principalmente nos subúrbios como Loures e Odivelas, oculta, é que não é a classe média, e muito menos os ricos, que contactam com eles, mas os mais pobres e menos protegidos dos portugueses. É aí que nasce o populismo, no facto de para muita gente, cuja condição económica não é muito diferente da de muitos ciganos, isto parecer ser uma profunda injustiça. E são também eles que presenciam e testemunham muitas pequenas violências de grupo, impondo o número e uma ostentação de ameaça, para quem está numa fila para receber a sua reforma numa estação de correios, ou numa sala de espera de um hospital, ou numa escola onde um problema de disciplina escolar com um aluno cigano atrai comportamentos de imediata agressão. Pode-se dizer que o contrário também sucede, e é verdade, mas estamos a falar de locais e incidentes onde há significativo número de ciganos e famílias ciganas como acontece em certos bairros sociais e escolas de Setúbal. E, como qualquer estudioso do populismo sabe, são muitas vezes este tipo de pequenos incidentes, repetidos diante da inacção e do medo das autoridades, que têm um efeito devastador nos sentimentos anti-ciganos.

Há, porém, problemas mais graves, e esses passam ao lado dos mesmos que reagem com fúria a ciganos que não respeitam uma fila de espera, e que são a preocupação dos verdadeiros heróis desta história, alguns professores, alguns militantes católicos e um infelizmente muito pequeno grupo de ciganos. É o caso da situação escolar, e depois social, das raparigas ciganas que, em nome da tradição, são retiradas das escolas mal atingem a puberdade. Estão numa idade em que a escolaridade é obrigatória, e muitas famílias com subsídios sociais têm como condição de os receber manter os seus filhos na escola, mas, mesmo assim, as raparigas ciganas, e por outras razões muitos rapazes, são forçadas a abandonar a escola, condenando-as a uma situação de inferioridade e dependência para toda a vida.

Os nossos mais vocais grupos feministas e anti-racistas e muita gente à esquerda que abraça causas de género não faz um centésimo dos protestos indignados que fazem com as declarações do candidato do PSD para denunciar a situação de menoridade imposta às mulheres ciganas. Num estado democrático, as tradições não estão acima da lei.»

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