sábado, 1 de julho de 2017

A política foi tomada de assalto por interesses particulares

O artigo de Paulo Baldaia publicado ontem no "Diário de Notícias", com o título "Como é que o país sai daqui? Não importa. O que importa é o governo". Com a merecida vénia,

«A notícia de que o governo pediu a um focus group uma avaliação do impacto do incêndio de Pedrógão Grande na popularidade de António Costa não é um fait divers, é um sintoma de que a política, que devia ser exercida em nome do povo, foi tomada de assalto por interesses particulares. Mas isso é novo? Não. Mas reabre-se uma ferida quando voltamos a ter consciência da realidade virtual em que vivemos.

Onde é que nos metemos? Como foi possível reduzirmos o essencial de uma tragédia com 64 mortos a uma questão de popularidade? Percebe-se bem que o governo faça as perguntas que entende a si próprio mas não tenha disponibilidade para responder a muitas das perguntas que fazem os jornalistas ou os partidos da oposição. Afinal, com um focus group, o executivo estará sempre em boas condições de determinar aquilo a que importa responder e aquilo que não deve ser considerado como pergunta merecedora de resposta. É a política!

No entretanto, o tempo passa. Nas redes sociais passou a ser mais importante uma polémica estéril por causa de uma piada de Salvador Sobral do que as respostas que todos exigiam aos porquês deste massacre de Pedrógão Grande. A Secretaria-Geral do MAI, que culpa a Proteção Civil, que culpa o SIRESP, que se desculpa, também é polémica bastante, capaz de distrair tanto a comunicação social como a oposição.

O país perde-se numa discussão sem nexo, à espera de uma comissão sem sentido, deslumbrado pelo jogo do empurra a que assiste como se tudo tivesse de terminar com vencedores e derrotados. Como se, à partida, não estivéssemos todos vencidos pelo cansaço de tentar perceber como foi possível que 64 pessoas tivessem morrido naquele incêndio.

A comissão independente ainda não começou a trabalhar e qualquer focus group explicará que o povo quer esquecer o que se passou. Está decidido, a ministra, coitada, teve azar. O primeiro-ministro, porreiro, deu a cara. O presidente, voluntário, foi vítima da sua boa vontade. Tudo o resto falhou, a responsabilidade é coletiva.

Aqui, continuamos a fazer perguntas. Estamos, por exemplo, a perguntar diariamente, desde o início da semana, ao Ministério da Administração Interna o que é que mudou no contrato com a entidade gestora do SIRESP na negociação concluída pela atual ministra. Foi Constança Urbano de Sousa que falou, tanto na RTP como no DN/TSF, da "criação de obrigações contratuais acrescidas para a entidade gestora do sistema de manutenção, de reforços de rede e que naturalmente o seu incumprimento leva a responsabilidade contratual desde já", por causa das falhas detetadas no ano anterior. Queremos saber o que mudou no papel e que correspondência é que isso teve no terreno. São perguntas simples à espera das simples respostas.

Para um governo que se apressa a medir os níveis de popularidade, haverá vontade de responder a estas perguntas? Claro que não, qualquer focus group dirá que nesta matéria a única coisa que verdadeiramente importa saber é que o SIRESP falhou. Como é privado, não há responsabilidades políticas a partir do momento em que o governo mostrar disponibilidade para alterar a relação com essa entidade que gere o sistema de comunicações de emergência. Como sempre fizeram todos os governos!

E não, não estamos desesperados à procura de culpados. Sabemos que a responsabilidade política dignifica o exercício do poder, mas não nos compete decidir pelos outros em matéria de consciência.»

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