sábado, 4 de fevereiro de 2017

Porque não se deve levar o debate da eutanásia para o campo da liberdade individual

Do artigo de opinião de Henrique Raposo, intitulado "Não tens o direito de me levar para o teu suicídio", publicado ontem na página da Rádio Renascença, alguns excertos:

.../... «Tu, meu caro amigo, podes suicidar-te. Tens essa liberdade. Não tens é a liberdade para me chamar para esse suicídio, não tens é o direito de me convocar para a tua morte. A minha liberdade de consciência é tão importante como a tua, e o que me parece espantoso neste debate é que está tudo centrado em quem quer morrer. O pormenor decisivo está a ser esquecido: alguém tem de apertar a seringa até ao fim, alguém tem de matar.

Não, não fujas da palavra: é matar. Não é “dar morte digna”, não é “a morte como escolha”, não é “anular”, “acabar”, “por fim”. É matar. E repara que te respeito. Não estou a dizer que é “assassinar”. Quem defende a eutanásia não está a defender o homicídio. Já li e ouvi posições do campo do “não” que cometem este excesso retórico. Não faz sentido. A eutanásia entra num campo ambíguo, remete para situações difíceis e cinzentas que toda a gente já sentiu. Mas, se não posso dizer que “eutanásia” é sinónimo de “homicídio”, posso e devo dizer que a lei que tu desejas abre a porta a homicídios de facto. Não, não estou especular. Estou apenas a olhar para a realidade da Bélgica e da Holanda, esses paradigmas do “progresso” que é cada vez mais um disfarce do regresso da barbárie pagã. Queres um exemplo? Dezenas e dezenas de doentes mentais estão a ser atirados para a eutanásia por psiquiatras.

Ora, se a eutanásia é uma escolha consciente e livre, como é que pessoas inimputáveis (isto é, incapazes de escolhas conscientes) são atiradas para as salas da eutanásia? Isto não é só um absurdo lógico, é um conjunto de homicídios.

Meu caro amigo, repara portanto na caixa de Pandora que a tua lei pode abrir. Não, já não estou a falar do teu suicídio higiénico e planeado como se fosse um business plan. Estou a falar de psiquiatras que atiram pessoas (jovens e crianças incluídas) para as salas de eutanásia. Estamos muito longe dos tetraplégicos ou da oncologia terminal, estamos a falar de pessoas com doenças mentais que são assassinadas não se sabe bem porquê.

Nos últimos dois anos e só na Bélgica, o sistema matou 5 pessoas com esquizofrenia, 5 com autismo, 8 com desordem bipolar, 29 com demência e 39 com depressão. Repara no absurdo: se tivessem cometido um homicídio, estes doentes mentais teriam sido considerados inimputáveis por razões óbvias. Então como é que acabaram na sala de uma eutanásia que dependia – em teoria – de uma imputabilidade moral e jurídica que eles já não tinham? Não, não me venhas com a conversa da liberdade de escolha, não me chames para a tua morte e, acima de tudo, não abras a porta à barbárie já visível na Bélgica e na Holanda. Não podes dizer que não sabias.»

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