O artigo de opinião do Bastonário da Ordem dos Médicos, Dr. José Manuel Silva, intitulado "Deputados gostam de gelatina de burro?", publicado hoje no "Jornal de Notícias", com a devida vénia:
«A Assembleia da República (AR) tem em análise propostas para isentar de IVA a prescrição da "milagrosa gelatina de burro" e os "defumadouros para afastar os espíritos", práticas da "medicina" tradicional chinesa e portuguesa, respetivamente, considerando que são "similares" à medicina científica.
Segundo o art.º 64.º, n.º 3, alínea e), da Constituição, o Estado está obrigado a "Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico"
Porém, em vez de disciplinar e regulamentar, a AR, violando a Constituição, prepara-se para isentar de IVA e legitimar a charlatanice da "milagrosa gelatina de burro", livre e impunemente publicitada com indicações para: diarreia crónica, púrpura, fobias, obsessões compulsivas, excesso de ansiedade, insónia, vómitos de sangue, metrorragias, sangramento contínuo da mucosa uterina, hemoptises, hematúria, etc., e que promove o desenvolvimento das crianças, aumenta o número de células vermelhas, melhora a hipotensão, melhora o sistema imunitário, melhora a inflamação do rim, aumenta a pressão arterial".
Num vergonhoso atentado à saúde pública, a AR permite e subscreve afirmações mentirosas e perigosas para a saúde como "O uso da Fitoterapia com os fármacos da Medicina do Ocidente é perfeitamente aceitável, uma vez que não há interação, até porque estamos a falar de plantas medicinais naturais, ou seja, não químicos." As plantas não têm químicos?! Não há riscos de interações?! Esta afirmação é contrária à mais singela honestidade, bom senso e evidência científica. As interações plantas-medicamentos são bem conhecidas e potencialmente perigosas (http://www.oipm.uc.pt/home/).
A prova definitiva que as terapêuticas não convencionais (TNC) não são "similares" à Medicina é o facto de não quererem sujeitar-se a regras "similares". As TNC recusam a comprovação científica de eficácia, recusam a formação exigente e idónea, recusam o controlo de qualidade dos seus produtos, cujo registo devia passar da DGAV para o Infarmed. Por conseguinte, não podem usufruir de um tratamento similar, nomeadamente em sede de isenção de IVA, uma questão que poderá ser analisada no futuro se aceitarem as exigentes regras impostas à medicina convencional, nomeadamente a criação de um SINATS (Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde) para as TNC. Há praticantes de TNC com boa formação, espírito rigoroso e prática consciente, que discordam de muito do que se passa e com quem a AR deveria dialogar. Façam ouvir a sua voz!
Isentar de IVA todas as TNC, enquanto os doentes sofrem penosamente com o subfinanciamento do SNS, é uma contradição incompreensível.
Será que há mais gente a tomar "gelatina de burro" do que eu pensava?...»
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