Com a devida vénia, eis o artigo de opinião do Bastonário da Ordem dos Médcos, Dr. José Manuel Silva, intitulado "Desculpem o desabafo", publicado no "Jornal de Notícias" do passado dia 22 de Julho:
«Há quem se admire por muitos médicos abandonarem o SNS para outras opções profissionais. Para ilustrar o atual estado do SNS, publico neste artigo o desabafo de uma colega:
"Sou Médica de Família. Posso garantir que eu fui uma entusiasta, fiz a formação onde queria e, como recém-especialista, fiquei onde queria.
Porém, na realidade, tive muitas promessas dos superiores, que, depois de assinado o contrato, não foram cumpridas. Foi a lei do "eu quero, posso e mando".
Não tive condições de trabalho, sentia-me completamente insatisfeita, com deveres e sem direitos, fazia horas a mais para poder fazer o meu trabalho "direito", nunca tive direito a bolsa de horas ou a qualquer pagamento de horas extraordinárias. As frases que ouvia: "Fica porque quer... Problema seu...".
Isto é vida? E a minha família? O importante é o SNS o resto que se vire? Sem tempo para levar ou buscar a minha filha à escola, "porque a USF tem que funcionar das 8 às 20"? Imposições e mais imposições...
Como interna já era assim, mas acreditava que sendo especialista as coisas iriam melhorar... (também devo acreditar no coelho da Páscoa e no Pai Natal).
Entrei no concurso e só aguentei seis meses. Pedi exoneração... E garanto-lhes que estava esgotada psicologicamente. Eu digo e repito, mais vale não assinar contrato do que chegar ao ponto a que eu cheguei.
Enquanto os médicos de Família devem exigir melhores condições e lutar pelo que merecemos, nós e os nossos utentes, pois são eles os que mais perdem com isso. Nas condições em que estamos cada vez é mais difícil fazer uma consulta "como deve ser", com tempo para ouvir o doente, entender as suas preocupações, fazer acordos terapêuticos, fazer as explicações necessárias as vezes que forem necessárias, ter tempo para ser Médico de Família. Assim, como está nos livros...
O número de recém-especialistas que não continuam no SNS aumenta e, garanto-vos, pelo que eu passei e pelo que ouço, que este número só tem tendência a aumentar...
Eu vejo e falo com internos quase todos os dias... Muitos vêm desabafar... "Falta pouco, tenho que aguentar até acabar... Já não consigo... Ainda me faltam dois anos... Como você aguentou?"... São frases tão comuns no meu dia a dia...
E não só... Quantos especialistas em MGF me perguntam como estou, como têm corrido as coisas, me dizem pelo que passam e que querem reduzir horário ou pedem exoneração porque já não aguentam?
Eu espero que esta falta de respeito pelos médicos do SNS, pelo próprio SNS, acabe, antes que seja tarde de mais.
Desculpem o desabafo"
Para completar o ramalhete, o Ministério da Saúde contrata os jovens médicos de Família do SNS a 16 euros (brutos)/hora, mas paga aos mesmos especialistas contratados através de empresas, que têm melhores condições fiscais (!), a 30 euros (brutos)/hora. Quem quer ficar no SNS?...»
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