terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Sobre factores de risco de cancro em humanos

Da crónica de David Marçal, intitulada "Já retomou o seu consumo normal de salsichas?" publicada na edição de 7 de Fevereiro da "Notícias Magazine":

«De vez em quando o mundo contorce-se no sofá por causa dos relatórios da Agência Internacional para a Investigação em Cancro (IARC), acerca dos factores de risco de cancro em humanos. A confusão é quase sempre a mesma: a escala da IARC não avalia o nível de risco de cancro, mas o nível da prova que temos acerca da existência desse risco. Podemos estar igualmente certos que as cascas de banana e as Kalasnikov aumentam o risco de morte, mas o risco disso acontecer com uma coisa e outra é muito diferente. É possível estarmos muito certos de um pequeno aumento de risco, e é esse o caso do consumo de carnes processadas. Ou de um grande aumento de risco, como acontece com o tabaco. Ambos estão no grupo 1, o dos carcinogénicos assumidos, que inclui também o amianto, a queima de carvão dentro de casa e a luz do Sol (sim, a luz do Sol).

No extremo oposto está o simpático grupo 4, com as coisas que sabemos mesmo que não causam cancro. Infelizmente, entre os 985 agentes avaliados, apenas a caprolactama, um composto usado no fabrico de nylon, está nesta categoria. Embora tenha um cheiro desagradável, cause vómitos, diarreia, irritações na pele e nos olhos, não aumenta o risco de cancro.

Quando a IARC não faz a mínima ideia, usa o grupo 3. É onde está o paracetamol e a tinta de impressora. Não há provas de que causem ou não causem cancro.

Por vezes é muito difícil isolar uma coisa, de todas as que fazem parte das nossas vidas, e perceber se essa coisa aumenta ou não o risco de cancro. Esses casos complicados vão para o grupo 2, que é tão complicado que está dividido. No grupo 2B estão os agentes «possivelmente carcinogénicos» em humanos. «Possivelmente» aqui significa que as provas são limitadas em humanos e insuficientes em animais. Neste grupo estão alguns insecticidas, a radiação dos telemóveis, o café ou os extractos das plantas Aloe vera e Ginkgo biloba. No 2A ficam as substâncias «provavelmente carcinogénicas» para os humanos. «Provavelmente» neste caso quer dizer que há provas suficientes da carcinogenicidade em animais, mas essas provas são limitadas em humanos. Nesta categoria estão os esteróides anabólicos, a queima de lenha dentro de casa e a profissão de cabeleireiro.

A escala da IARC é útil, mas é preciso percebê-la. E como não podemos centrar a nossa vida à volta da caprolactama, temos que correr alguns riscos. Mas claro que é perfeitamente dispensável fumar e apanhar escaldões.»

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