quarta-feira, 25 de novembro de 2015

25 de Novembro

Excertos do artigo de opinião de Helena Matos, intitulado "Em Novembro de 2016 falamos", publicado no dia 22 de Novembro no jornal online "Observador":

.../... «Há quarenta anos, estávamos em contagem decrescente para mais um golpe. Militar, obviamente. Este chegou a 25 de Novembro e só terminou três dias depois, a 28, quando os insurrectos de Tancos se renderam. Pelo meio, Lisboa viveu em estado de sítio, com recolher obrigatório, sem espectáculos desportivos nem publicação de jornais e ao ritmo das notas oficiosas emanadas da Presidência da República e do Estado Maior General das Forças Armadas.

O que aconteceu em Novembro de 1975 foi provavelmente uma das operações mais complexas acontecidas em território português: os militares, que podiam não perceber nada de política e muito menos de governação, sabiam muito de estratégia e perceberam que ou eles resolviam a tempo a situação ou acabariam não só a combater entre si como a ter o povo contra si. Assim, o facto que conhecemos como “25 de Novembro” não é tanto um golpe militar (na prática são dois: o dos chamados moderados e outro, da esquerda revolucionária) mas também e muito particularmente o dia em que as Forças Armadas se salvaram a si mesmas e de si mesmas. Salvaram também a esquerda revolucionária, militar e civil, das suas ciclotímicas lutas fratricidas e das forquilhas com que era corrida a norte e é sobretudo o dia em que o PS se tornou a âncora do regime e Soares o seu líder.

.../... Soares animal político ou pai da democracia, como agora costuma dizer-se, nasceu quando, no final de 1974, começou a constatar o óbvio: Cunhal ia desembaraçar-se dele. Com Freitas do Amaral transformado num ogre da direita e Sá Carneiro mais o PPD em contraciclo e crise existencial, Soares tornou-se no líder indispensável e apresentável daquele país que além de encher a Alameda em Lisboa incendiava sedes de esquerda a norte. Soares correspondeu-lhes: nenhum líder à direita do PS ousou dizer do PCP o que Soares proferiu no Verão Quente.

O PREC colocou o PS no centro do regime e fez dele o partido do regime. E foi esse regime resultante do 25 de Novembro de 1975 que acabou a 10 de Outubro de 2015 quando, na Assembleia da República, o PS se uniu ao PCP e ao BE não apenas para derrubar o vencedor das eleições mas, o que é muito mais importante, para tirar o eixo do regime do centro e levá-lo para um dos extremos, no caso de esquerda. No mesmo minuto em que o PS votava com o PCP e o BE a queda de Passos Coelho o país passou automaticamente para uma lógica de bipolarização pré-Novembro de 1975.

Dir-se-á que em 2015 não há militares, nem riscos de golpes, nem carros de combate nas ruas, que no país do norte as forquilhas agora decoram museus rurais e se reivindica apenas que as autarquias organizem mais passeios e distribuam gratuitamente aparelhos par medir a tensão, que Eanes é conferencista e Jaime Neves já morreu. É verdade mas estão os mercados em seu lugar. Não são a mesma coisa mas ambos são operacionalmente eficazes a impor aquilo de que precisam: estabilidade e interlocutores políticos. Tal como os militares, para salvarem as Forças Armadas, tiveram em 1975 de fazer um golpe que os levasse de volta aos quartéis, também os mercados precisam em 2015 de interlocutores políticos que governem: Mário Centeno e António Costa não têm feito outra coisa senão garantir que o farão. Contudo mesmo que o façam – e o exemplo de Tsipras não é de descurar – Portugal tem um problema político: o PS mudou de campo mas vai haver um momento algures no futuro em que vai querer voltar ao centro. Não tanto para poder governar mas sobretudo para se salvar a si mesmo.

E é nesse momento que o novo ciclo da política se vai decidir: qual vai ser o novo partido do regime? Qual líder se vai tornar indispensável? Em Novembro de 2016 falamos.»

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