quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Prevenção quaternária, um imperativo face ao sobrediagnóstico médico que atinge milhões de pessoas


Ainda de acordo com Carlos Martins, durante a apresentação do tema que encerrou o 19.º Congresso Nacional de Medicina Geral e Familiar, sobrediagnóstico e sobretratamento representam risco para a saúde. "Incidentalomas", exposição a falsos positivos, "acarretam um dano significativo, que pode ser físico ou psicológico e, muitas vezes, desencadeiam uma cascata de exames que se prolonga ao longo da vida da pessoa".

Através de gráficos, Carlos Martins evidenciou que intervir com rastreios em certo tipo de cancros com níveis de evolução diferentes – no caso, o cancro da próstata e da mama – nem sempre traz benefícios. Considerou que a probabilidade de um rastreio detectar um cancro muito agressivo é reduzida, dado que evolui muito rapidamente até à morte. Por outro lado, também apresenta rapidamente sintomas.

"Outros cancros têm uma evolução lenta e só ao fim de algum tempo provocam sintomas. Também há um número considerável de cancros, dentro da mesma patologia, cuja evolução é tão lenta que a pessoa acaba por morrer de outras causas, sem nunca ter tido manifestação clínica da doença. Morre sem saber que tinha cancro. O problema é que, depois de os detectar, não os conseguimos diferenciar. Acabamos por tratar todos", explicou.

Estima-se que existam actualmente "milhões de homens diagnosticados desnecessariamente como tendo cancro da próstata". No caso do cancro da mama, "os números são relativamente semelhantes". O rastreio a partir dos anos 80 do século passado "levou a um número em crescendo da incidência e da prevalência desta doença", acrescentou Carlos Martins, sublinhando que, se os programas de rastreio fossem eficazes era suposto que se assistisse a uma redução gradual da mortalidade. "Ora, nem uma coisa, nem outra. Verificamos que há um aumento do sobrediagnóstico, mas a mortalidade continua relativamente estável". 

Como evoluir para uma "saúde adequada às necessidades de cada um e com qualidade para todos?". Esta é a questão a que Carlos Martins se propõe responder.

Desde logo, através da implementação da prevenção quaternária, "um conjunto de acções que visam proteger as pessoas de intervenções médicas cuja probabilidade de causar dano é superior à probabilidade de causar benefício".

O médico de família Carlos Martins defendeu ainda a implementação de estratégias de educação para a saúde e a capacitação, "rumo à decisão médica partilhada".

O portal "Decidir em Saúde", actualmente em desenvolvimento na Unidade de Medicina Geral e Familiar da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto tem, justamente, esse objectivo.

Por outro lado, os testes "deverão ter um RCT" (Resumo das Características do Teste)". Em conjunto com a equipa de Isabel Santos e de Bruno Heleno, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, a unidade de Carlos Martins está já a desenvolver um projecto de investigação para conhecer "até que ponto a população portuguesa está preparada para lidar com essa informação".

Por último, Carlos Martins anunciou a realização, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, em Janeiro do próximo ano, de um curso destinado a jornalistas e estudantes de jornalismo, intitulado "Informar saúde e ciência".

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