quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O incrível negócio dos medicamentos inovadores (2)


.../...«A pergunta impõe-se: como é que um medicamento pode ser vendido por cerca de mil vezes do que custou a ser produzido? Na génese do problema, aponta Pedro Pita Barros, está o facto de o mercado farmacêutico assentar num sistema de patentes que cria situações de monopólio onde, sem a ameaça da concorrência, as farmacêuticas fixam o preço que entenderem. E fazem-no tendo como referência não o custo de produção mas o valor que consideram que criam para o paciente, ou seja, o valor mais elevado que o cliente está disposto a pagar. Uma política que o economista contesta. “O princípio da eficiência económica é que o preço se aproxime do custo unitário de produção, não do valor máximo que o beneficiário está disposto a pagar.”


Um dos caminhos para baixar o preço dos medicamentos inovadores passa, por isso, por rever o sistema de patentes, defende o economista. “Se não admitimos monopólios que estabeleçam os preços que querem noutras áreas, não há razão para que tal aconteça na inovação farmacêutica.” Num campo delicado como o da saúde, não pode valer tudo. “Deverá ser permitida uma remuneração adequada do investimento realizado, não uma transferência maciça de valor [para as farmacêuticas].”

Enquanto isso não acontece, os Estados dispõem de mecanismos para “fazer prevalecer o interesse coletivo sobre o interesse privado”, considera Marta Temido. Podem, por exemplo, contestar as patentes, acusando os laboratórios de deter um monopólio e de estar a vender o fármaco a preços especulativos. Não é inédito. O Brasil já o fez no caso dos antirretrovirais e, mais recentemente, a Índia fê-lo com o sofosbuvir. A Gilead enfrenta processos semelhantes nos EUA, Argentina, Brasil, China, Rússia, Ucrânia e UE, neste caso num processo interposto pela ONG Médicos do Mundo. “Considerar que alguns preços podem representar um abuso do direito de patente é uma hipótese que tem sido esgrimida, a meu ver com muito bons argumentos, em trabalhos recentes”, refere a presidente da APAH.».../...

(Excerto do artigo intitulado "Vender por €100 mil aquilo que se produziu a €100: o incrível negócio dos medicamentos inovadores", da autoria de Nelson Marques, publicado no jornal "Expresso" online de 30 de Agosto último)

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