quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Em Portugal até quem faz escutas é surdo

«Há uns anos, um juiz, para explicar a necessidade de detenção do deputado Paulo Pedroso, alinhou vários indícios. Um deles era por o deputado, ao telefone, tratar por "querida" alguém com voz de homem. E, na verdade, foi forte indício: o de que os investigadores nem confirmaram com quem o suspeito falava (tratava-se duma amiga com voz grossa). Agora, as transcrições de conversas telefónicas de Paulo Portas com um amigo fizeram crer a Ana Gomes que ali havia tramoia. Humm, havia um "aquilo" que não fazia sentido numa frase e um "Canals" (nome de empresário com esquemas financeiros) que fazia sentido demais... Com um só mistério Hitchcock fazia de um assassínio uma obra de arte, com dois mistérios Ana Gomes fez um hara-kiri. O Expresso teve acesso àquelas escutas e ouviu o seguinte: em vez de "aquilo", Kiel, e em vez de "Canals", canal. Como os apanhados na escuta falavam de uma viagem à Alemanha e como Kiel tem um célebre canal vizinho, a conversa era tão inocente como uma querida de voz grossa. No outro dia, a ministra da Justiça prevenia-nos, embora de forma ínvia e irresponsável (porque vinda da chefe da coisa), contra as escutas. Nisso ela era exata: o grave não é o que nós dizemos, mas os dislates que dizem terem-nos escutado. Mas, caro leitor, caso um juiz, citando o processo, lhe pergunte se você gritou ao telefone "o juiz que autorizou esta escuta que má acatar no Kung Fu!", confirme. Se está no processo, é verdade.»

(Crónica de opinião de Ferreira Fernandes, com o mesmo título, publicada ontem no jornal "Diário de Notícias")

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