
.../...Contudo, o Estado, depois de despenalizar, deveria ter-se afastado desta
matéria. Ou seja, liberalizava, mas não praticava: permitia o aborto
até às 10 semanas, visto ser essa a vontade da maior parte da população,
mas não permitia que, fora dos casos já previstos na lei anterior, ele
fosse praticado em hospitais públicos, com o dinheiro de todos,
incluindo daqueles que entendem que o aborto é a morte de um ser humano.
E isto porque o aborto é mesmo a morte de um ser humano? Não,
simplesmente porque não há maneira de chegar a um acordo sobre aquilo
que o aborto é, e a questão é de tal modo séria que o Estado deveria
respeitar a sensibilidade de 1,5 milhões de pessoas (40% das que votaram
em referendo), quando não existe uma forma de as convencer
racionalmente de que aquilo que elas defendem está errado. Caberia então
à sociedade civil e aos movimentos pró-escolha organizarem-se e
autofinanciarem-se, para que as pessoas que não têm meios económicos
para pagar um aborto o pudessem fazer gratuitamente em clínicas
privadas.
.../...nenhuma pessoa de bom senso pode admitir que a senhora Maria tenha de
pagar taxas moderadores se for operada a uma hérnia mas a dona Francisca
não tenha de pagar nada se for abortar – e ainda recebe o seu ordenado
na totalidade (exactamente como se tivesse tido um filho) se ficar de
baixa e abortar várias vezes ao ano (sim, acontece).
.../...as injustiças da actual situação necessitam de ser corrigidas, porque
manifestamente passámos do oito para o oitenta. Há oito anos, uma mulher
que abortava podia ir parar à prisão. Hoje, ela tem os mesmos
privilégios de quem deu à luz. Será assim tão difícil encontrarmos um
meio termo?»
(Excertos do artigo de opinião intitulado "A vergonha do aborto gratuito", da autoria de João Miguel Tavares, publicado no jornal "Público" de ontem)
Sem comentários:
Enviar um comentário