.../...«Angelita Habr-Gama conta que não faltaram críticas, mas nunca se importou.
.../...Nos últimos 20 anos, apostou numa estratégia alternativa que se resume
em duas palavras - observar e esperar: dois meses de quimio e radio,
depois em vez de operar logo esperam-se oito semanas. Se o tumor
desaparece, como diz acontecer com 30% dos doentes, inicia-se um
programa rigoroso de controlo. Durante um ano, consulta de dois em dois
meses. No ano seguinte semestral. E depois anual, o resto da vida. Se
permanece, opera-se. A abordagem pouco ortodoxa, que em 20 anos evitou
que 150 dos 500 que a consultaram fossem operados, está em debate desde
ontem num encontro na Fundação Champalimaud. Visa pela primeira vez
algum consenso na matéria, pois, apesar de passarem mais de duas décadas
e de muitos médicos confidenciarem a Habr-Gama que têm doentes que não
operam, são raros os que o assumem publicamente ou se arriscam a
contrariar os protocolos.
.../...No
início, conta a cirurgiã de 80 anos que continua a operar em São Paulo,
o receio era também dos doentes. Mas depressa se tranquilizavam porque
não operar o mais cedo possível significa, em contrapartida, reforçar o
acompanhamento. Como há essa vigilância permanente e os tumores "começam
pequenos", resume, não afecta o prognóstico, explica. Perante isto,
evitar terem de viver ostomizados foi a razão por que muitos doentes
aceitaram seguir o seu conselho médico.
.../...Habr-Gama diz que não são os custos que impedem a semente de crescer,
mas alguns dogmas e o receio de os romper. A vigilância exige consultas e
alguns exames, mas poupa-se em internamento e medicação e ganha-se em
qualidade de vida dos doentes. Está em causa, no fundo, uma mudança de
mentalidade para uma medicina mais personalizada, e isso implica doentes
mais responsáveis e médicos mais interessados, resume. "Operar muitas
vezes é mais confortável. O cirurgião nunca mais vê o doente."
Acredita que a evidência nos estudos de avaliação do impacto da
técnica no Brasil e na Holanda, juntamente com o facto de os doentes
reclamarem mais ao ver que a análise patológica depois da operação dá
negativa para tumor, tenderá a aumentar a pressão. Sente-o no crescendo
de cartas que recebe de todos os cantos do mundo a pedir uma segunda
opinião. E também na maior abertura de vozes que no início lembra como
reticentes em abandonar a ideia de que "cancro significa operação". É o
caso do médico britânico Bill Heald, que na mesma altura em que
Habr-Gama teve a sua "ideia maluca", como lhe chamaram, desenvolveu uma
nova técnica para extracções mais precisas dos tumores, usada em todo o
mundo. Heald, considerado o papa da cirurgia nesta área, lidera desde o
ano passado na clínica da Fundação Champalimaud um programa de
tratamento do cancro colorrectal com base no principio da vigilância
activa e tratamentos o menos invasivos possível.»
(Excerto de um artigo da autoria de Marta F. Reis, publicado hoje no "Jornal i" online de hoje)
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