sábado, 15 de fevereiro de 2014

Cancro colorrectal: e se o melhor para alguns doentes não for operar?

.../...«Angelita Habr-Gama conta que não faltaram críticas, mas nunca se importou.

.../...Nos últimos 20 anos, apostou numa estratégia alternativa que se resume em duas palavras - observar e esperar: dois meses de quimio e radio, depois em vez de operar logo esperam-se oito semanas. Se o tumor desaparece, como diz acontecer com 30% dos doentes, inicia-se um programa rigoroso de controlo. Durante um ano, consulta de dois em dois meses. No ano seguinte semestral. E depois anual, o resto da vida. Se permanece, opera-se. A abordagem pouco ortodoxa, que em 20 anos evitou que 150 dos 500 que a consultaram fossem operados, está em debate desde ontem num encontro na Fundação Champalimaud. Visa pela primeira vez algum consenso na matéria, pois, apesar de passarem mais de duas décadas e de muitos médicos confidenciarem a Habr-Gama que têm doentes que não operam, são raros os que o assumem publicamente ou se arriscam a contrariar os protocolos.


.../...No início, conta a cirurgiã de 80 anos que continua a operar em São Paulo, o receio era também dos doentes. Mas depressa se tranquilizavam porque não operar o mais cedo possível significa, em contrapartida, reforçar o acompanhamento. Como há essa vigilância permanente e os tumores "começam pequenos", resume, não afecta o prognóstico, explica. Perante isto, evitar terem de viver ostomizados foi a razão por que muitos doentes aceitaram seguir o seu conselho médico.

 .../...Habr-Gama diz que não são os custos que impedem a semente de crescer, mas alguns dogmas e o receio de os romper. A vigilância exige consultas e alguns exames, mas poupa-se em internamento e medicação e ganha-se em qualidade de vida dos doentes. Está em causa, no fundo, uma mudança de mentalidade para uma medicina mais personalizada, e isso implica doentes mais responsáveis e médicos mais interessados, resume. "Operar muitas vezes é mais confortável. O cirurgião nunca mais vê o doente." 

Acredita que a evidência nos estudos de avaliação do impacto da técnica no Brasil e na Holanda, juntamente com o facto de os doentes reclamarem mais ao ver que a análise patológica depois da operação dá negativa para tumor, tenderá a aumentar a pressão. Sente-o no crescendo de cartas que recebe de todos os cantos do mundo a pedir uma segunda opinião. E também na maior abertura de vozes que no início lembra como reticentes em abandonar a ideia de que "cancro significa operação". É o caso do médico britânico Bill Heald, que na mesma altura em que Habr-Gama teve a sua "ideia maluca", como lhe chamaram, desenvolveu uma nova técnica para extracções mais precisas dos tumores, usada em todo o mundo. Heald, considerado o papa da cirurgia nesta área, lidera desde o ano passado na clínica da Fundação Champalimaud um programa de tratamento do cancro colorrectal com base no principio da vigilância activa e tratamentos o menos invasivos possível.» 

(Excerto de um artigo da autoria de Marta F. Reis, publicado hoje no "Jornal i" online de hoje)

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