«A tese do livro espanhol dos mileuristas é de que a "nova" geração está a ser sacrificada pela "velha" geração, para manter os seus direitos adquiridos, Estado social e empregos residentes. Mas esse foi livro foi escrito quando Espanha crescia muito. Em Portugal, o problema é agravado pela falta de crescimento económico durante pelo menos 15 anos (dez dos quais já lá vão), o que não cria oportunidades nem empregos. Temos falta de competitividade, precisamos de exportar e, por isso, baixam-se os salários - mas há maior inimigo da competitividade que esta quantidade alarve de impostos? Somos, ademais, um pais desigual, economicamente mais desigual que o revoltoso Egipto (segundo o Índice de Gini, que mede a assimetria na distribuição de riqueza). Muitos preços são feitos para o quartil superior de rendimentos, fixando um custo de vida, sobretudo nas cidades, demasiado caro para o restante.
É estarrecedor ver esta falta de futuro num País que é liderado... por jovens. Nunca tivemos líderes de partidos, e do Governo, tão novos. Mais: os líderes dos dois maiores partidos são ex-jotas! Só que as jotas tornaram-se fábricas de corrupção moral, viveiros de arenques e de tainhas, à espera da sua vez de ser como os outros, os que já lá estão.
Os Deolinda não estão contra as propinas, não abrem trincheiras, não são sequer panfletários. Isto não é um movimento, é um não-movimento, o que já lhes deu a candura de um não agressor, resgatando dos mesmos que infamemente aniquilaram a "Geração Rasca" a simpatia dos que têm pesos na consciência. Hão-de tentar instrumentalizar isto contra o neoliberalismo ou contra o comunismo, contra a esquerda ou contra a direita, mas é mais puro: é política de há 200 anos, de Rousseau, de Tocqueville, dos vértices libertadores da Revolução Francesa: igualdade, fraternidade, liberdade. Fala-se do Maio de 68, compara-se à espontaneidade do Egipto, confirma-se a força não de um líder, mas das redes sociais. Haverá revolta? Ela será de arame farpado ou de veludo? Ficaremos pela melancolia?
Esta canção é uma carta enviada do futuro. Não é um aviso, é uma súplica. Salve, Deolinda.»
(Pedro Santos Guerreiro, director do "Jornal de Negócios", Editorial de 2011.02.07)
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