(De Camilo Castelo Branco, em "O vinho do Porto. Processo de uma bestialidade inglesa. Exposição a Tomás Ribeiro", 1884)
(continuação)
.../...Voltando à minha enfermidade mortal, no dia seguinte restringi-me ao bacalhau assado muito saturado do alho estomacal. O bacalhau conquistou na moderna terapêutica das gastrodinias, nas dispepsias e gastrites crónicas uma reputação tónica, restaurante; quanto ao alho, esse goza créditos de antídoto da raiva; porém, naquele tempo, o reles pescado da Terra Nova era considerado comestível apenas assimilável a estômagos de patagões, com a potência digestiva de ogres; e, a respeito do alho, pessoa que cheirasse a ele tinha as inquirições tiradas desde malandro até celerado.
Como quer que seja, eu, alternando o bacalhau com as tripas de boi - as tripas, o heróico brasão do Porto - um complexo afrodisíaco de chispe, de paio, aves, ervanços e colorau, recuperei, ao cabo de duas semanas, forças extraordinárias e tamanhas que, num transporte de gratidão, levantei Gertrúria e passeei-a triunfalmente nos meus braços. Quando as cloroses e as anemias estão grassando nos grandes centros como doença endémica da geração nova depauperada, eu faltaria ao sagrado dever altruísta, se não oferecesse este boletim sanitário aos que padecem. Que eles principiem pela mão de vaca e concluam a sua cura com tripas sortidas.
Entretanto, o doutor João Ferreira propalava a minha cura da perigosa opilação como a mais rara e inesperada da sua clínica, mediante o ferro e o vinho quinado. Tinha-me arrancado das presas da morte, dizia-se; e a minha engomadeira, uma devota velhinha, asseverava que fora o mártir São Torquato de Guimarães que a obsequiara mais uma vez, curando-me.
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