Com a devida vénia, eis o elucidativo Editorial de hoje do jornal "Público", da autoria de Manuel Carvalho,
«Em Setembro de 2020, Mariana Mortágua deixou um aviso no Parlamento que diz muito sobre a penúria ética, a indigência intelectual e a falta de vergonha dos homens de negócios que testemunham na comissão de inquérito ao Novo Banco: “Há limites para a retórica, até na Assembleia da República”, notou a deputada do Bloco de Esquerda. Infelizmente, o aviso, sendo sério, não foi seguido. As audições da comissão continuaram a mostrar a mesma falta de decoro, memória selectiva, a ocultação velhaca e até a pesporrência que fica mal aos que não cumprem as suas obrigações financeiras. Como provou Luis Filipe Vieira na sessão desta semana, ser-se caloteiro dispensa sentimento de culpa e humildade. Tornou-se tão natural como as entregas do Fundo de Resolução que, em nome dos contribuintes, os salvam.
Bernardo Moniz da Maia, com uma dívida de 563 milhões, não sabia que sociedades geria, nem que offshore controlava, nem os nomes das fundações que supostamente serviam de fachada para o círculo do seu dinheiro. João da Gama Leão deve mais de 300 milhões, mas exige não ser comparado à “elite podre” que tem passado pela comissão. Já Luís Filipe Vieira deixou um calote de 225 milhões, mas diz-se vítima de “calúnias” por parte de uma outra elite que jamais lhe perdoará ser benfiquista, ter nascido “pobre” e “ter vencido”.
Claro que entre as dívidas de Moniz da Maia, resultantes de um financiamento do BES para comprar acções do BCP na guerra pelo controlo do banco em 2007, e as falhas de João da Gama Leão, que admite ter dado passos maiores do que a perna nos seus negócios, há diferenças. Mas, na essência, Maia, Leão e Vieira são iguais: criaturas de uma cultura de impunidade, compadrio e facilitismo, exemplos de uma elite empresarial que considerava a ética, o trabalho ou a responsabilidade social para com os seus trabalhadores meras alíneas dos relatórios e contas.
Já sabíamos que a exposição da miséria moral da resolução do BES e dos negócios do Novo Banco pouco serve senão para que o país se confronte com esse seu passado deplorável. No exercício, para lá do masoquismo, há apenas uma provável utilidade: a de expor aos olhos de todos essas nódoas do passado recente. Nada se vai passar na Justiça, nada se vai recuperar em buracos sem fundo e nada mudará aos que, como Luís Filipe Vieira, têm negócios, uma boa reforma e vivem “bem”.
Se há algum mérito nesta comissão, é a sua função pedagógica. Esta estirpe de supostos empresários existiu e os seus relatos podem servir para se tentar que não existam nunca mais.»
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