sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Será mesmo que as batatas fritas são mais saudáveis do que as cozidas?

«Não é preciso procurar muito para encontrar títulos dos últimos dias a dizer que “batatas fritas são mais saudáveis do que cozidas” — quer seja assim mesmo, em português, quer seja noutras línguas. A conclusão parte de um estudo da Universidade de Granada, Espanha, onde foram confecionadas batatas, tomates, beringelas e abóboras de quatro formas diferentes — fritas, salteadas e cozidas em água e numa mistura de água e azeite simples. Da investigação, publicada na revista científica “Food Chemistry”, em 2015, os responsáveis destacaram alguns aspetos, entre os quais o de que “a capacidade antioxidante dos alimentos aumentou quando preparados apenas no azeite”. Para jornais como o britânico “The Telegraph”, foi o suficiente para se escrever, quatro anos depois, que “fritar legumes é mais saudável do que cozê-los” e acrescentar que “a maneira como percebemos a culinária saudável está prestes a ser remodelada”.


Para profissionais como Pedro Graça, diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, este “é aquele tipo de estudo que tem uma componente verdadeira”, mas de onde é tirada uma conclusão abusiva. “Presta-se a uma boa fake news. Dizer que a batata frita é mais saudável que a cozida simplesmente não é verdade.” O responsável alerta que a única verdade do estudo “é química”. “A batata, se frita em condições muito especiais, no final da fritura permite reter alguns compostos fenólicos que de facto se perdem na cozedura.” Porém, há muitos fatores a ter em conta a partir desta premissa.

Por um lado, o ganho “é ínfimo”, o que significa que seria necessário comer mais batata frita para ter um benefício substancial. Ora, “isso traz um acrescento energético enorme”, avança Pedro Graça. Por outro lado, “nas condições em que os portugueses a fritam, a batata tem um tipo de gordura muito maior e, no caso de uma fritura mal conduzida, pode ter substâncias tóxicas”. O virgem extra é “o azeite mais caro que existe”, com o qual “ninguém pode andar a fritar batatas”. Nos restaurantes “não vai acontecer nunca”. Nas casas dos portugueses, sugeri-lo “só contribui para aumentar a desigualdade”.

Na prática, continua Pedro Graça, o estudo não tem utilidade para as populações. Mas tem riscos. “A batata frita implica mais calorias, mais riscos com a fritura (até há pessoas que o fazem duas vezes no mesmo óleo) e mais sal”, precisamente um dos problemas da alimentação em Portugal apontados pela Direção-Geral da Saúde (DGS). O também ex-diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da DGS reforça que “o problema de Portugal não é a falta de fenóis: é a obesidade e o excesso de sal”. Tanto um como o outro são prejudicados com um potencial aumento do consumo de batata frita, que estudos como o da Universidade de Granada podem incitar.

“É um disparate do ponto de vista da saúde pública”, remata Pedro Graça, garantindo que essa é a opinião generalizada entre nutricionistas, que não ficaram alheios ao estudo. “Discutíamos isso ao almoço entre colegas ainda hoje: a quantidade de gente que vai aprofundar o estudo é ínfima. A quantidade de gente que leu os títulos que têm saído e que se vai sentir mais à vontade para fritar batatas é enorme.”

O QUE SÃO FENÓIS, PARA QUE SERVEM E ONDE OS ENCONTRAR
Ana Bravo, nutricionista e diretora da clínica Saudarte, no Porto, também se sentiu atraída pelos títulos de alguns sites e, por isso, guardou um dos artigos que encontrou “para ler no fim de semana”. A pedido do Expresso, apressou a leitura. “É incompleto. Teria de ler pormenorizadamente o estudo. Assim, à partida, refiro que o poder antioxidante do azeite é incontestável, especialmente do extra virgem. Mas se temperarmos a batata cozida com o mesmo azeite em cru, o efeito não será melhor?”

Existem vários tipos de fenóis, compostos químicos antioxidantes que combatem o envelhecimento celular e de onde vem outra das alegações do estudo — a de que a maior quantidade de consumo de fenóis nos vegetais fritos, por oposição aos cozidos, ajudaria a prevenir doenças como cancro, diabetes e outras patologias degenerativas. “Se as pessoas querem tanto ganhar uma percentagem de antioxidantes a mais, há centenas, milhares, de produtos da dieta mediterrânica que os têm em grandes quantidades”, afirma Pedro Graça. Em Portugal e da época: “A pêra rocha tem muitos, as uvas têm muitos, os marmelos têm vários, o abrunho, os figos, as romãs. Só para falar de alguns produtos da época”.»

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