domingo, 5 de maio de 2019

As antigas licenciaturas são em tudo comparáveis ao acumulado dos actuais mestrados (2)

Continuação da opinião de Sebastião Feyo de Azevedo (*), antigo Reitor da Universidade do Porto, publicada no jornal "Público" no dia 3 de Outubro de 2018. Com a devida vénia,

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«3. Não desejando entrar em desnecessários detalhes tecnico-jurídicos e estando fora do escopo deste texto discutir a bondade das razões que levaram à escolha, em 2006, da designação ‘licenciatura’ para uma formação diferente daquela que há muitos anos recebia no nosso país tal designação, e foram razões eminentemente socio-políticas bastante interessantes, foi rapidamente claro, à epoca, que essa escolha iria dar origem a grandes confusões se não houvesse a devida clarificação do Governo e dos órgãos de governo das instituições sobre a substância das qualificações associadas. Não houve esses esclarecimentos, foram muitas as confusões e os desvarios interpretativos subsequentes.

Revisito o que escrevi em várias instâncias, dando como exemplo a publicação na revista Visão de 16 de junho de 2011:

 - O termo licenciatura foi adoptado para designação dos primeiros ciclos de Bolonha, mas as competências conferidas por uma licenciatura pós-Bolonha não devem ser comparáveis com as competências que as licenciaturas pré-Bolonha conferiam.

- Cinco anos de formação não são administrativamente compactados em formações de três anos e comparáveis só porque se dá o mesmo nome, como alguns falsos ilusionistas à época o afirmavam.

- Na generalidade das ofertas formativas, as actuais licenciaturas têm níveis de qualificação que se comparam às dos antigos bacharelatos.

- As licenciaturas anteriores à reforma correspondiam, na generalidade, a formações acumuladas correspondentes a ciclos longos. Isto significa que as antigas licenciaturas, na essência das competências que conferiram a centenas de milhares de portugueses, são em tudo comparáveis ao acumulado dos atuais primeiros e segundos ciclos de Bolonha, isto é, a mestrados. O que, aliás, tem total paralelo com o consignado na Lei n.º 9/2009, de 4 de Março, que transpôs para a ordem jurídica interna a importante Directiva Europeia n.º 2005/36/CE, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, na qual se expressa (artigo 9.º, alínea e) que o nível mais elevado de qualificação (não incluindo o doutoramento) está associado a formações de nível de ensino pós-secundário de duração acumulada de pelo menos quatro anos, isto é, duração acumulada longa.

4. É esta realidade que a Portaria 782/2009 deveria refletir, mas não reflete. A Portaria ignora a Lei n.º 9/2009 que claramente aponta para as inequívocas diferenças entre as licenciaturas pré-Bolonha e as atuais licenciaturas de Bolonha.

Esta problemática foi levada à atenção do governo da época, em 5 de fevereiro de 2010, nas pessoas do senhor ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, da senhora ministra da Educação e da senhora ministra do Trabalho e Solidariedade Social, a quem o senhor bastonário da Ordem dos Engenheiros, instituição de que eu era vice-presidente nacional, enviou uma carta, chamando a atenção para o grave erro que a Portaria continha e propondo uma solução juridicamente cuidada. Uma solução muito simples de correção, com o devido detalhe jurídico, de duas linhas do quadro do Anexo III da Portaria que estabelece a correspondência entre os níveis de educação e de formação e os níveis de qualificação:

- Na linha do Nível 6 de Qualificações, em que constam ‘Bacharelato e Licenciatura’ como níveis de formação, clarificar que se trata de Licenciatura pós-Bolonha, correspondente ao 1.º ciclo de estudos do Quadro de Qualificações do Espaço Europeu do Ensino Superior, já acima mencionado.

- Na linha do Nível 7 de Qualificações, em que consta ‘Mestrados’ como nível de formação, substituir por Mestrados e Licenciatura pré-Bolonha (licenciatura anterior ao presente regime). 

Não se trata pois de atribuir graus académicos, trata-se de conferir equivalências de qualificações para fins eminentemente profissionais.

Aqui fica. Muito mais haveria a comentar, mas, na limitação física de espaço, isto é o essencial. As soluções do passado são soluções do passado, sem retroativos. O que se deve procurar é justiça projetada no futuro, tão próximo quanto possível.»

(*) Coordenador Nacional do Processo de Bolonha entre 2003 e 2005; delegado nacional ao BFUG – Bologna Follow-up Group em períodos entre 2004-2005 e 2006-2010; vice-presidente da Ordem dos Engenheiros entre 2004 e 2010; director da FEUP entre 2010 e 2014; reitor da Universidade do Porto entre 2014 e 2018.

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