sábado, 4 de maio de 2019

As antigas licenciaturas são em tudo comparáveis ao acumulado dos actuais mestrados (1)


A opinião de Sebastião Feyo de Azevedo (*), antigo Reitor da Universidade do Porto, publicada no jornal "Público" no dia 3 de Outubro de 2018. Com a devida vénia,

«1. O problema mais grave que permanece de toda a transição e implementação do Processo de Bolonha em Portugal residiu e reside no tratamento incompreensível e injusto do enquadramento das antigas licenciaturas (das licenciaturas pré-Bolonha que vigoraram sensivelmente até 2007) no (novo) Quadro Nacional de Qualificações do Ensino Superior, resultante da transposição para o regime jurídico nacional do correspondente Quadro de Qualificações do Espaço Europeu do Ensino Superior, acordado pelos ministros do ensino superior dos países signatários do Processo, na sua reunião em Bergen, em Maio de 2005.

Note-se bem que este não é um problema europeu, nem do Processo de Bolonha, um movimento europeu, supra União Europeia, de imensa dimensão e relevância. É, sim, um problema nosso, resultante da nossa interpretação e transposição dos acordos de Bolonha para o nosso quadro jurídico, nos idos anos de 2007 a 2010, um problema que em limite afeta e prejudica centenas de milhares de portadores de diplomas dessas licenciaturas pré-Bolonha. Trata-se da perceção errada, vertida para a lei, dos quadros de qualificação dos cidadãos, do que significam, para lá das designações dos diplomas, as competências adquiridas por aqueles que na estrutura legal das suas épocas (anteriores a 2007) estudaram e concluiram com mérito as suas licenciaturas com vista à entrada na vida profissional ativa, particularmente nas profissões reguladas.

E, para os mais novos, ou refrescando memórias, relembro que as licenciaturas anteriores à reforma correspondiam, na generalidade, a formações acumuladas correspondentes a ciclos longos, que conferiam qualificações de base reconhecidas pela sociedade como adequadas para o início de exercício de profissões com responsabilidade e níveis de complexidade elevadas.

2. No cerne do problema, o ‘pecado original’ reside na Portaria 782/2009 de 23 de julho, que regula esse novo Quadro Nacional de Qualificações e que atira os portadores destas licenciaturas pré-Bolonha para o nível 6 das qualificações, o mesmo nível dos portadores dos antigos bacharelatos e das atuais licenciaturas, colocando-as abaixo dos atuais mestrados que se situam no nível 7. É essa a peça legal que deve ser corrigida. Desde o primeiro momento da sua publicação que me tenho interessado e empenhado (como abaixo testemunho) para corrigir a situação. Até agora sem sucesso, mas nunca desistindo.

O assunto voltou a debate recentemente, a respeito da quinta revisão do Decreto-lei n.º 74/2006, de 24 de Março, que instituiu o regime jurídico de graus e diplomas de ensino superior, a qual se concretizou com a publicação do Decreto-lei n.º 65/2018.

No âmbito das audições e discussões públicas que antecederam a aprovação desta revisão (e não está em causa a bondade de todas as alterações que têm vindo a ser introduzidas ao longo do tempo) circulou a informação (supostamente fidedigna!) de que o Governo, através do senhor ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, se teria comprometido a resolver esta questão criada pelo quadro legal estabelecido pela Portaria 782/2009.

Fumo, sem fogo. De facto, por razões que a minha razão desconhece e não alcança, o Decreto-Lei 65/2018 não acomoda tal correção, tal como aliás o jornal PÚBLICO deu conta na sua edição de 25 de setembro (de 2018).

Sabemos todos que estes atos de revisão da legislação têm momentos políticos. Penso que é na portaria que a correção deve ser feita, mas esta seria uma oportunidade que foi perdida numa luta importante por direitos e pela essência do Processo de Bolonha que entendo não dever deixar passar sem esta apreciação pública.»
.../... (Continua)

(*) Coordenador Nacional do Processo de Bolonha entre 2003 e 2005; delegado nacional ao BFUG – Bologna Follow-up Group em períodos entre 2004-2005 e 2006-2010; vice-presidente da Ordem dos Engenheiros entre 2004 e 2010; director da FEUP entre 2010 e 2014; reitor da Universidade do Porto entre 2014 e 2018.

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