A opinião de Sebastião Feyo de Azevedo (*), antigo Reitor da Universidade do Porto, publicada no jornal "Público" no dia 3 de Outubro de 2018. Com a devida vénia,

Note-se bem que este não é um problema europeu, nem do Processo de Bolonha, um movimento europeu, supra União Europeia, de imensa dimensão e relevância. É, sim, um problema nosso, resultante da nossa interpretação e transposição dos acordos de Bolonha para o nosso quadro jurídico, nos idos anos de 2007 a 2010, um problema que em limite afeta e prejudica centenas de milhares de portadores de diplomas dessas licenciaturas pré-Bolonha. Trata-se da perceção errada, vertida para a lei, dos quadros de qualificação dos cidadãos, do que significam, para lá das designações dos diplomas, as competências adquiridas por aqueles que na estrutura legal das suas épocas (anteriores a 2007) estudaram e concluiram com mérito as suas licenciaturas com vista à entrada na vida profissional ativa, particularmente nas profissões reguladas.
E, para os mais novos, ou refrescando memórias, relembro que as licenciaturas anteriores à reforma correspondiam, na generalidade, a formações acumuladas correspondentes a ciclos longos, que conferiam qualificações de base reconhecidas pela sociedade como adequadas para o início de exercício de profissões com responsabilidade e níveis de complexidade elevadas.
2. No cerne do problema, o ‘pecado original’ reside na Portaria 782/2009 de 23 de julho, que regula esse novo Quadro Nacional de Qualificações e que atira os portadores destas licenciaturas pré-Bolonha para o nível 6 das qualificações, o mesmo nível dos portadores dos antigos bacharelatos e das atuais licenciaturas, colocando-as abaixo dos atuais mestrados que se situam no nível 7. É essa a peça legal que deve ser corrigida. Desde o primeiro momento da sua publicação que me tenho interessado e empenhado (como abaixo testemunho) para corrigir a situação. Até agora sem sucesso, mas nunca desistindo.
O assunto voltou a debate recentemente, a respeito da quinta revisão do Decreto-lei n.º 74/2006, de 24 de Março, que instituiu o regime jurídico de graus e diplomas de ensino superior, a qual se concretizou com a publicação do Decreto-lei n.º 65/2018.
No âmbito das audições e discussões públicas que antecederam a aprovação desta revisão (e não está em causa a bondade de todas as alterações que têm vindo a ser introduzidas ao longo do tempo) circulou a informação (supostamente fidedigna!) de que o Governo, através do senhor ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, se teria comprometido a resolver esta questão criada pelo quadro legal estabelecido pela Portaria 782/2009.
Fumo, sem fogo. De facto, por razões que a minha razão desconhece e não alcança, o Decreto-Lei 65/2018 não acomoda tal correção, tal como aliás o jornal PÚBLICO deu conta na sua edição de 25 de setembro (de 2018).
Sabemos todos que estes atos de revisão da legislação têm momentos políticos. Penso que é na portaria que a correção deve ser feita, mas esta seria uma oportunidade que foi perdida numa luta importante por direitos e pela essência do Processo de Bolonha que entendo não dever deixar passar sem esta apreciação pública.»
.../... (Continua)
(*) Coordenador Nacional do Processo de Bolonha entre 2003 e 2005; delegado nacional ao BFUG – Bologna Follow-up Group em períodos entre 2004-2005 e 2006-2010; vice-presidente da Ordem dos Engenheiros entre 2004 e 2010; director da FEUP entre 2010 e 2014; reitor da Universidade do Porto entre 2014 e 2018.
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