Eis a segunda parte da crónica de opinião de João Atanásio, professor da "Universidade Europeia", publicada há dois dias no "Jornal Económico" com o título "Oh não, outra vez as propinas!". Com a devida vénia,
«.../...Mais do que aquilo que tem que pagar pelo ensino superior, que é manifestamente pouco, o que se pondera é aquilo que se deixa de auferir pela impossibilidade de, no imediato, se dispor do tempo indispensável para ingressar desde logo no mercado de trabalho, ainda que sacrificando a possibilidade de um dia mais tarde auferir uma remuneração mais elevada, fruto das habilitações adquiridas. É aquilo que os economistas chamam custo de oportunidade.
Se um jovem que termina o ensino secundário não ingressa no ensino superior, mais do que os €71,00 que iria ter que pagar por mês para frequentar uma instituição de ensino superior público, o que pensa é nos €600,00 ou €700,00 que deixará de auferir por não ter possibilidade de, em simultâneo, arranjar uma ocupação profissional. E este problema não se resolve com a eliminação das propinas. No limite, para “obrigar” estes jovens a frequentar o ensino superior teríamos que começar, não só a isentá-los do pagamento de propinas, mas a remunerá-los para estudarem.
Eliminar as propinas é, pois, acabar com uma das componentes essenciais do financiamento do ensino superior: o esforço dos estudantes e das respetivas famílias, coresponsabilizando-os na sua valorização pessoal, que permitirá aos diplomados, e não só ao país e à sociedade, dispor de meios acrescidos para competirem num mundo cada vez mais global e de auferirem melhores remunerações no futuro. Se o benefício, para além do país, é também pessoal, deverá claramente haver um copagamento por parte dos estudantes, um investimento que lhes permitirá adquirirem ferramentas mais adequadas para enfrentarem o mercado de trabalho.
Resta-nos verificar se a abolição das propinas é uma medida socialmente justa. E aqui a resposta deveria ser quase unânime, esperando-se que fossem essencialmente os partidos mais à esquerda, que se arrogam de paladinos dos mais desfavorecidos, que mais se opusessem à eliminação das propinas, quando, estranhamente, são eles que ideologicamente mais a peticionam.
A supressão das propinas não significa, obviamente, que o ensino superior público passará a não ter custos, apenas que a forma de o financiar será diferente. Se os estudantes do ensino superior público deixarem de pagar propinas, terá que ser o Orçamento do Estado a suportar essa despesa, uma vez que os professores e os demais funcionários das universidades e politécnicos não deixarão de auferir as suas remunerações, que as instalações necessitarão de luz, água, limpeza e arranjos, que serão precisas verbas para a investigação, etc., etc.
A discussão não é, pois, se o ensino superior público passará ou não a ser gratuito, mas, sim, quem financiará o mesmo; se apenas os estudantes, se os estudantes e o Estado ou se apenas o Estado, o mesmo é dizer, os contribuintes, através dos seus impostos.
Ora, não há medida socialmente mais injusta do que abolir as propinas, fazendo com que sejam os contribuintes, no seu todo, a financiar os custos do ensino de apenas alguns, muitos dos quais bem mais abonados do que aqueles que lhes pagam para estudarem. Só aparentemente é que a abolição das propinas é uma medida de carácter social. Na prática, ela acaba por prejudicar as famílias mais carenciadas, uma vez que não pagando os estudantes propinas, teremos que ser todos nós, através dos nossos impostos, a suportar este custo.
A alternativa, socialmente muito mais correta, seria aumentar a ação social escolar dos atuais 130 milhões de euros para o triplo, fazendo com que muito mais famílias da classe média/média baixa pudessem receber um apoio do Estado para que os seus filhos frequentassem o ensino superior.
Os cerca de 200 a 250 milhões de euros que o Orçamento do Estado irá ter que passar a “despejar” a mais nas instituições de ensino superior públicas em caso de eliminação das propinas, seriam muito melhor gastos se se pudessem selecionar os seus destinatários através do critério económico, não se optando pelo populismo e demagogia de anunciar uma medida universalista e injusta.
Se estou claramente disponível para subsidiar com os meus impostos os estudos de todos aqueles que não têm capacidade económica para o fazer de forma autónoma, suportando propinas e demais encargos, manifesto a minha profunda repulsa sobre a possibilidade de ter que contribuir financeiramente para pagar as propinas dos filhos das famílias mais ricas do nosso país. Com o sistema que se pretende no futuro implementar, teremos todos, mesmo os mais pobres, que pagar os estudos dos filhos dos Amorins, dos Soares dos Santos, dos Mellos, dos Queiroz Pereira, só para dar alguns exemplos, caso estes optem por frequentar uma instituição de ensino superior pública portuguesa.
A abolição das propinas trará consigo um outro risco significativo: ao reduzir consideravelmente as receitas próprias das instituições de ensino superior públicas, estas passarão a depender, ainda mais, das transferências do Orçamento do Estado, ficando numa dependência quase total e muito perniciosa do poder político, que, num momento de maior aperto económico, não hesitará em cortar a eito no financiamento destas instituições, deixando-os sem capacidade para realizar de modo cabal a sua missão.»
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