A crónica de opinião de João Atanásio, professor da "Universidade Europeia", publicada ontem no "Jornal Económico" com o título "Oh não, outra vez as propinas!". Com a devida vénia, eis a primeira parte do extenso artigo,

Esta visão foi aplaudida pelo atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que defendeu a medida como forma de conferir prioridade ao setor no seio da sociedade portuguesa, assegurando uma maior atratividade do ensino superior. 20 anos volvidos, Marcelo Rebelo de Sousa deu corpo à ideia de que “só não muda de pensamento quem nunca os possui”, uma vez que havia sido ele que, na qualidade de então líder do PSD, viabilizou a proposta de lei do Governo de António Guterres de aumento das propinas.
No sítio da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) explica como uma pessoa pode ter duas opiniões sobre a mesma temática, uma na qualidade de cidadão, outra na de Presidente: “enquanto cidadão, sempre foi favorável à existência de um regime de propinas, considerando que os montantes deviam refletir a capacidade económica dos que as pagavam, de forma direta ou com recurso a esquemas de ação social escolar”.
Como Presidente dos portugueses, julga que “a experiência destes últimos vinte anos mostra que o país não recuperou o seu atraso nas qualificações como seria desejável, daí a necessidade de se enfrentar a questão de estrangulamento na passagem do ensino secundário para o ensino superior, entendendo ser indispensável repensar o acesso e o financiamento do ensino superior”. Em suma, temos um MRS cidadão, favorável às propinas, e um MRS Presidente, defensor da sua abolição.
Mas, independentemente das opiniões de tão ilustres cidadãos, como são, inquestionavelmente, o Presidente da República e o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o que importa discutir é a bondade da medida e a justiça da mesma.
Há 20 anos, o então ministro da Educação socialista Eduardo Marçal Grilo conseguiu fazer vingar o regime de propinas como o conhecemos, desenhando o atual modelo de financiamento do ensino superior, segundo o qual um estudante do ensino superior público em formação inicial (licenciaturas e mestrados integrados) pagava até ao ano letivo 2018/2019 uma propina que podia variar, por decisão de cada instituição de ensino superior, entre os €689 e €1.068, ou seja, entre €1,89 e €2,93 por dia.
A primeira machadada no sistema então instituído foi dada pelo atual Governo, também ele socialista, no Orçamento do Estado para 2019, ao baixar o valor da propina máxima em €212,00, ou seja, €0,58 por dia. Quem tem experiência nestas áreas, percebeu de imediato que esta era apenas a primeira pedra em direção ao sistema apadrinhado pela ala esquerda do PS, pelo BE e pelo PCP, com o inesperado beneplácito do Presidente da República.
Mas, o que importa analisar é se a medida trará os benefícios que vêm sendo apregoados e se a mesma é socialmente justa. Comecemos pela primeira questão.
Advogam os defensores da gratuitidade do ensino superior público que as propinas constituem um entrave ao acesso ao ensino superior por parte de uma percentagem significativa de estudantes, sobretudo da classe média, os quais não dispõem dos recursos financeiros necessários para permitir que os seus filhos ingressem e se consigam manter numa instituição de ensino superior.
Assim, segundo estes, os mais ricos podem estudar, porque têm capacidade financeira para o fazer, os mais carenciados são apoiados pela ação social, mas a classe média encontra-se num limbo do qual não consegue sair, pois nem é suficientemente abonada para suportar os custos das propinas, nem é suficientemente carenciada para beneficiar do apoio que o Estado concede aos mais pobres.
Isto faz com que, de acordo com os “abolicionistas”, os filhos da classe média não consigam estudar no ensino superior, o que se alterará de forma radical com a supressão das propinas. A gratuitidade contribuirá, assim, para que Portugal possa recuperar o atraso europeu que manifesta ao nível das metas de diplomados do ensino superior, tornando-se um país mais avançado e mais competitivo.
É este o argumento que parece convencer o Presidente da República sobre a bondade de eliminar as propinas, ao afirmar que isso contribuiria para “o objetivo nacional de aumentar substancialmente a qualificação dos portugueses, como fator estratégico do nosso desenvolvimento futuro, à semelhança do que se verifica nos mais desenvolvidos países europeus”.
Mas será que é mesmo assim? Devemos acreditar que uma percentagem significativa dos nossos estudantes, sobretudo oriundos da classe média, não ingressa no ensino superior porque não consegue suportar €856,00 por ano, €71,00 por mês, €2,35 por dia? Será que é este o fator decisivo para o afastamento de tantos jovens do ensino superior? Custa-nos sinceramente a crer.
Muito mais do que estes valores suportam habitualmente os jovens e as suas famílias em produtos e serviços supérfluos ou pelo menos de menor importância do que o ensino superior. E mais do que as propinas, são outros fatores que “encarecem” a frequência do ensino superior, como a inexistência de um número suficiente de camas em residências a preços abaixo do mercado, o custo das refeições e do material escolar. Mas, acima de tudo, quando alguém opta por não investir o seu tempo e o seu dinheiro no ensino superior fá-lo porque, alternativamente, poderá obter um rendimento proveniente de uma atividade profissional.
.../...» (Continua)
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