A oportuna e fundamentada crónica de opinião de João Miguel Tavares, publicada no passado dia 1 de Setembro no jornal "Público" com o título de "Abater cães e gatos é mau? Sim, mas é necessário". Com a habitual e merecida vénia,
«É uma medida tão bonita. Os partidos até votaram todos a favor: deixar de abater cães e gatos saudáveis nos canis municipais não é, afinal, apenas uma forma de estender a nossa bondade e os nossos princípios humanistas a seres vivos que nos dão tudo o que têm e partilham tantos momentos de alegria connosco? Infelizmente, não é. É apenas uma lei estúpida, que vai prejudicar os animais que deveria proteger.
Quando na política se substitui a cabeça pelo coração dá nisto – uma lei cheia de boas intenções mas impraticável vai certamente ter consequências dramáticas para os pobres bichos, que em vez de morrerem dignamente vão passar a perecer à fome, em condições de higiene lastimáveis, enjaulados ao monte ou abatidos à socapa. Os que escaparem a esse triste fim irão andar pelas ruas e campos ao abandono, formando matilhas que se multiplicarão pelo país até ao dia em que acontecer uma tragédia e alguém morrer vítima de um cão abandonado – e aí, os mesmos políticos que fizeram esta lei absurda irão a correr desfazê-la.
Caros amigos dos animais e votantes no PAN: poupem-me a indignações deslocadas. O que eu estou a dizer é que, neste caso concreto, a vossa vontade de proteger a vida de cães e gatos não os vai beneficiar, mas sim prejudicá-los. Como o mundo não é cor-de-rosa, a realidade não é a preto e branco, cães e gatos não têm predadores, e o dinheiro para construir canis e gatis é limitado, a lei que é suposto entrar em vigor a 23 de Setembro terá como consequência o aumento do sofrimento animal.
Isto não é uma questão de opinião, mas de matemática. O PÚBLICO tem vindo a acompanhar o caso e num texto intitulado “Fim do abate nos canis vai ser uma catástrofe” adiantava os seguintes números: no primeiro semestre de 2018 foram recolhidos 13.897 animais abandonados; desses, apenas 5300 foram adoptados. É fazer as contas: quase 8600 ficaram em canis e gatis – e isto em apenas seis meses. Mantendo-se o ritmo, num ano serão mais de 17 mil. Em seis anos ultrapassarão os 100 mil. E atenção: a progressão é muito superior a esta, porque quando falha a esterilização a velocidade a que nascem supera largamente a velocidade a que morrem. De que forma são estes números geríveis sem abate? Não são.
Sim, eu sei que a culpa é dos donos dos animais. Num país impecavelmente civilizado, bastaria equilibrar o número de abandonos com o número de adopções para a eutanásia deixar de ser necessária. Infelizmente, não é ainda o caso de Portugal, e a natureza humana não se muda por decreto. O progresso na valorização dos direitos dos animais tem sido gigantesco, o que é óptimo, mas não se pode chegar ao ponto de legislar bons sentimentos fechando os olhos à exequibilidade das medidas que se propõem. Isso pura e simplesmente não é sério.
Vão, por favor, ao site da associação americana PETA, que anda desde 1980 a lutar pelo bem-estar animal, e leiam textos como “‘No-Kill’ Policies Slowly Killing Animals” ou “The Deadly Consequences of ‘No-Kill’ Policies”, para verem aquilo que nos espera se a lei começar a ser aplicada em Portugal. Está lá escrito: não matar é ainda mais mortífero. Se os abandonos são o triplo das adopções, e se o abate é proibido, a consequência será um crescimento descontrolado da população de cães e gatos, que a médio prazo é insustentável. É triste eutanasiar animais domésticos saudáveis? Com certeza que é. Há alguma alternativa viável enquanto não se mudarem as mentalidades? Tristemente, não.»
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