segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

O açúcar é mesmo tão viciante como a cocaína? (1)

«Claro que não, e todas as pessoas constatam essa realidade diariamente!

Começando com um ponto prévio: o açúcar presente em refrigerantes, bolachas, bolos e afins é sem dúvida algo a limitar na nossa alimentação. Daí a compará-lo a uma droga ou a um veneno vai uma distância gigantesca. Mesmo quem não tem bases de bioquímica e metabolismo pode acompanhar o seguinte exercício. O ser humano só consegue absorver três “açúcares”: glicose, frutose e galactose. O açúcar de mesa (sacarose) é uma junção de dois destes açúcares (glicose + frutose). A aveia, pão integral, batata-doce, quinoa e afins (que são reconhecidos pelo senso comum como “bons hidratos”) possuem amido, que é uma cadeia de “várias glicoses”. A fruta (dependendo da peça em questão) tem quantidades variáveis de frutose, glicose e sacarose. Ou seja, independentemente de comermos açúcares simples e/ou adicionados a gorduras (hidratos “maus”), ou estes “bons” hidratos, aquilo que entra na nossa corrente sanguínea é glicose, frutose e galactose (no caso de se ingerir leite/iogurtes).

É então fácil perceber que mesmo o açúcar branco não é um veneno, caso contrário, todos os alimentos acima referidos também o seriam e os seres humanos seriam movidos a veneno. Como é lógico, é sem dúvida benéfico usufruir das vitaminas e antioxidantes da fruta, da fibra dos cereais integrais e que uma entrada mais gradual de hidratos de carbono em circulação é mais saudável para não estarmos constantemente a “espremer” o nosso pâncreas na sua produção de insulina e não se criar uma resistência à sua acção.


Feito este preâmbulo, vamos então falar da verdadeira questão que dá título ao artigo que é um hipotético vício em açúcar que será igual ou até maior do que em outras drogas como a cocaína ou heroína. Como todos sabemos, a recompensa sensorial que é obtida com o açúcar, ou melhor dizendo alimentos doces, com açúcar (e também gordura em grande parte dos casos) é grande. A teoria seria que a habituação e dessensibilização que o nosso cérebro pode sofrer com a exposição repetida a estes alimentos pode fazer com que a quantidade de açúcar tenha de ser cada vez maior para atingir o prazer e que fiquemos “viciados” nos mesmos. O que é que a ciência diz a este respeito?

Apesar de existirem estudos interessantes em animais (já lá iremos), foquemo-nos principalmente nos estudos em humanos. E desde logo parece existir uma dicotomia interessante na resposta à exposição à frutose e glicose por parte de adolescentes magros e obesos. Os magros, perante esta exposição, têm uma maior irrigação no córtex pré-frontal (área do cérebro associada ao controlo e função executiva), ao passo que os adolescentes obesos perante o mesmo estímulo tiveram um aumento da actividade das áreas mais associadas ao prazer e recompensa. Resta saber o que vem primeiro. Se é a obesidade a responsável por esta resposta devido a diferenças por exemplo nos níveis de leptina (hormona produzida no nosso tecido adiposo) ou se é esta maior sensação de recompensa que induz uma maior procura de açúcar e que justifique assim o quadro de obesidade.».../...

(Primeira parte de um muito interessante e fundamentado artigo, da autoria do nutricionista Pedro Carvalho, publicado, sob o mesmo título, no dia 11 de Fevereiro de 2018 no jornal "Público") (continua)

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