segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Efeitos nefastos da modernização da medicina

«O que é que não se deve dizer a um doente zangado? “Acalme-se”, exemplifica Irene Carvalho, a presidente da recém-criada Sociedade Portuguesa de Comunicação Clínica em Cuidados de Saúde (SP3CS), que destaca a importância da empatia e da humanização na medicina e em todas as profissões que implicam contacto com doentes.

Socorrendo-se da experiência e de estudos feitos nos Estados Unidos — onde estas questões merecem grande atenção —, Irene Carvalho sustenta que as queixas por falhas na comunicação médico-paciente são muito mais frequentes do que as reclamações devidas a incompetência técnica. “A maior parte das queixas têm que ver com problemas de comunicação”, corrobora o enfermeiro Carlos Sequeira, que acaba de lançar o livro "Comunicação Clínica e Relação de Ajuda".

Saber interagir com doentes em situações complicadas e saber como dar más notícias não implica apenas ter intuição e bom senso. Há “competências básicas” que devem ser ensinadas aos profissionais de saúde, actualmente muito pressionados pela falta de tempo, defende Irene Carvalho que criou a nova sociedade científica em conjunto com outros profissionais (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, terapeutas, entre outros).

Com a tecnicização e a informatização do conhecimento e toda a especialização verificada nos últimos anos, os profissionais de saúde — e os médicos sobretudo — estão muito focados na cura, nos órgãos, nos mecanismos fisiológicos, sublinha a psicóloga. Ora se esta estratégia foi óptima para o desenvolvimento da medicina, acabou por ter alguns efeitos secundários nefastos na relação com os pacientes, considera.

Se os doentes reclamam por causa de falhas de comunicação, os profissionais de saúde também se queixam, sobretudo de ter cada vez menos tempo, de tal forma estão pressionados para usarem computadores e prestarem atenção aos indicadores. Em Espanha, recorda Irene Carvalho, “os médicos de família têm sete minutos para estar com os doentes”. Em Portugal, este limite não existe, mas já houve várias tentativas para impôr tempos máximos, lembra o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva.

Também não será necessário tanto tempo assim. Numa consulta normal, 25 minutos serão suficientes, acredita a psicóloga. Como? É possível gerir de forma mais adequada o tempo disponível, evitando questões de última hora — que contribuem para o arrastar das consultas —, ou usando técnicas para controlar o discurso dos doentes. Um exemplo: quando o doente está sistematicamente a repetir as mesmas coisas é porque entende que o profissional não está a ouvir; neste caso, a técnica é ir resumindo aquilo que ele vai dizendo.».../...

(Excertos, com a merecida vénia, do artigo da autoria da jornalista Alexandra Campos, intitulado "O que é proibido dizer a um doente zangado? «Acalme-se»", publicado ontem no jornal "Público")

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