O texto integral deste artigo de opinião, da autoria de Pedro Norton, intitulado "A Europa precisa de um divã", pode também ser lido na revista "Visão" do passado dia 24 de Junho. Eis alguns excertos, com a necessária vénia:
.../... «A Europa pode muito bem estar por dias. E não me venham fazer contas à libra, muito menos me venham explicar de que lado da Mancha fica a mercearia que mais perde com a coisa. O ponto não é, nunca foi, verdadeiramente esse. O ponto foi, e continua a ser, a paz. Mas a intoxicação moral da Europa voltou. A crise psíquica agudiza-se num novo surto. Chamem-lhe crise dos refugiados, chamem-lhe renascer dos nacionalismos. Chamem-lhe falta de cultura, idolatria das finanças. Chamem-lhe pulsar dos populismos ou tentação dos autoritarismos. Dêem-lhe o nome que quiserem. O que eu quero saber é o que será da Espanha a seguir ao Brexit? O que será da Bélgica? O que será a Áustria, o que será a Finlândia, o que será a Hungria sem as amarras dos valores Europeus que, já doentes, tivemos medo de passar a escrito numa constituição?
Agora está tudo à rasca. E agora vão ficar ofendidos comigo. Porque está longe de ser simpático, muito menos politicamente correto afirmá-lo. A ideia de que democracia mais direta é mais democracia é uma das ideias mais estúpidas do final do século XX. A ideia populista que tudo deve referendar-se, a ideia maniqueísta de que todas as questões têm uma resposta dicotómica, que todo o sim tem o seu não, são ideias – repito – tão primariamente atrativas como estúpidas. A democracia demoliberal em que vivemos não renasceu de forma representativa por acaso. Nem por impossibilidade de fazê-la direta. Nasceu representativa em nome do refrear das tentações populistas, dos imediatismos, das pulsões irrefletidas, dos medos atávicos. A democracia, tal como até aqui a conhecemos e foi funcionando, nasceu em nome da possibilidade de erguer consensos, em nome da possibilidade de negociar com pragmatismo, em nome de uma crença em lideranças capazes de unir os povos em torno de propósitos comuns e que não se refugiassem, a toda a hora e a todo o momento, na simples auscultação da opinião publica. A coisa parece elitista? Menos democrática? Pouco simpática? Contra o ar dos tempos? Seja. De uma coisa podem estar certos. A Europa, inacabada, imperfeita, disfuncional, mas, apesar de tudo, unida que nos deu um dos maiores períodos de paz que alguma vez conhecemos, jamais se teria feito à força de referendos. A ironia é que pode ser que agora acabe aos pés desse mecanismo populista que nenhuma liderança ousa já afrontar. A Europa sucumbe a uma grave crise psíquica porque a democracia sucumbe a uma não menos grave. Nem uma, nem outra, por falta de cultura, sabem verdadeiramente quem são.»
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