[Os]«médicos também morrem. E não gostam da ideia de morrer, tanto quanto qualquer outra pessoa. O que é diferente entre os médicos não é a quantos tratamentos eles têm acesso em comparação com os outros pacientes, e sim a quão menos tratamentos eles próprios se submetem. Médicos tendem a ser mais serenos e realistas quando encaram a possibilidade de morrer. Eles sabem exatamente o que vai acontecer, conhecem suas opções, e geralmente têm acesso a todos os tratamentos disponíveis. Mas partem suavemente, de forma quase que submissa.
É claro que médicos não desejam morrer. Eles querem viver. Mas eles sabem o suficiente sobre a medicina moderna para conhecer seus limites, e compreendem de forma profunda o que as pessoas mais temem: morrer em grande sofrimento e sozinhas. Médicos costumam falar sobre isso com seus familiares. Deixam claro que, quando for sua hora, não querem ninguém quebrando suas costelas na tentativa improvável de ressucitá-los. Muitas vezes, falam sobre isso poucas horas após eles próprios terem feito exatamente isso com seus pacientes (eu mesma já fiz). A maioria dos médicos já viu (e praticou) demais o que chamam de “futilidade médica”, que acontece quando é usado todo o arsenal mais moderno disponível para uma pessoa gravemente doente, que está claramente no final de sua vida. Eles já viram pessoas sendo cortadas, perfuradas com tubos e agulhas, colocadas em máquinas barulhentas (e sedadas para suportar a tortura), além da infinidade de remédios correndo em suas veias. E morrendo poucos dias (até horas) depois. Eu já ouvi de colegas angustiados frases como: “Prometa-me que, se um dia eu estiver nessa situação, você vai me deixar partir. Não deixe que façam isso comigo.” E é assim mesmo..../...
.../...O fato é que todos nós, pacientes, médicos e familiares, sofremos as pressões do sofrimento extremo, do tempo, do sistema de saúde, da própria formação médica e das crenças culturais na hora de tomar uma decisão drástica. Mas somente os médicos sabem o que acontece depois. Eles tendem a não aceitar tratamentos excessivos e com poucas chances de sucesso. Muitos buscam formas de morrer em suas próprias casas, esmerando-se no controle da dor e outros sintomas, buscando significado para suas próprias vidas e oferecendo o melhor de si às pessoas a quem amam. A própria literatura médica oferece base para esse tipo de decisão. Estudos têm demonstrado que pessoas com câncer hospedadas em hospices ou acompanhadas por serviços de Cuidados Paliativos vivem mais (e melhor) do que aquelas com o mesmo diagnóstico que recebem tratamentos oncológicos até o final da vida.»
(Excertos copiados do post "Como os Médicos Morrem?" do blog "No Final do Corredor", da autoria da Dra. Ana Lucia Coradazzi, médica oncologista clínica brasileira, tendo como base o artigo "How Doctors Die", da autoria do Dr. Ken Murray, publicado no "The Saturday Evening Post", em Março/Abril de 2013)
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