«Angola é nossa? Teremos nós autoridade para lhe dar lições de
transparência no funcionamento das instituições? As nossas elites são
exemplos de rectidão e probidade? Os capitais angolanos têm cor ou
cheiro diferentes dos das outras proveniências? Quatro vezes não. Nesta
guerra tonta de sentimentos, o preconceito e a hipocrisia sempre levaram
a melhor sobre a razão e o bom senso. Pensar-se, em Lisboa, que o
regime angolano se deveria conduzir por regras escandinavas é o mesmo
que pensar-se, em Luanda, que este Portugal pobrete tem é de ficar mudo e
quedo perante os novos senhores do capital.
Já o escrevi no Negócios e repito: há que olhar para o actual quadro de relações entre os dois países de uma forma desapaixonada, à temperatura ambiente, sem complexos coloniais nem traumas colonialistas. A Angola pós-guerra civil concebeu um modelo de poderio económico baseado nos seus excelentes recursos naturais (petróleo e diamantes, entre outros por explorar), como recomendam os manuais. Moralismos à parte, que esses ninguém pode exibir, o regime angolano traçou um caminho de acumulação de riqueza baseado na ascensão programada dos generais da guerra a neo-capitalistas. Os métodos foram aproximadamente os mesmos que as nações europeias há séculos seguiram com os seus nobres.
Por isso, os capitais angolanos são tão bem-vindos em Portugal quanto os portugueses o são em Angola. Se a cabeça e o coração levarem a melhor sobre as tripas, não há razões para que a nossa relação bilateral não progrida, desde que assente numa atitude adulta entre partes assumidamente diferentes. Ponhamos de lado a frieza arrogante da elite angolana – que, diga-se de passagem, atinge todos os não angolanos por igual - e os ares de fidalguia arruinada da parte portuguesa.
Sobretudo, há que deixar o campo económico aos seus agentes, dos dois lados, com o mínimo de interferências da política. Está à vista que os capitais se movimentam sem precisar da ajuda de diplomatas nem de aprendizes de feiticeiros. Se recuarmos até à independência de Angola, verificaremos que os melhores períodos da relação entre os dois países foram aqueles em que as "cúpulas" se mantiveram mais discretas e menos dadas a espectáculos mediáticos. José Eduardo dos Santos vê certo - o que de pior pode acontecer entre um ex-colonizador e um ex-colonizado é a manifestação pública de estados de alma. Que o digam espanhóis, ingleses e franceses, nas suas eficazes relações com as ex-colónias.
O ministro dos Negócios Estrangeiros português é a prova acabada da falta de tino. Desconheço se existem outros motivos para o azedume de Luanda além dos casos judiciais envolvendo figuras de peso da nomenklatura angolana, mas palpita-me que não. Desconheço igualmente se os tais casos são dignos desse nome, quantos formulários terão ficado por preencher (a fazer fé na impagável tirada de Rui Machete à Rádio Nacional de Angola), em que ponto exacto se encontram os processos, quem envolvem ao certo e, não menos importante, se as (habituais) fugas de informação por parte do nosso aparelho judicial são tão acintosas quanto Luanda quer fazer crer. Do que estamos certos é que o ainda chefe da nossa diplomacia fez asneira grossa. Se outras razões não houvesse, ele deveria saber que toda a ex-colónia despreza manifestações de subserviência do ex-colonizador. Ironicamente, até poderá vir a receber a Ordem Agostinho Neto, mas terá causado um rombo, espero bem que reparável, nas relações luso-angolanas.
Algo me diz que tudo isto não passa de uma tempestade num copo de água e que os agentes económicos, em especial os mais próximos de José Eduardo dos Santos, se encarregarão de serenar os ânimos. Pelo caminho poderá ficar a programada cimeira luso-angolana, na qual, aliás, Luanda nunca pareceu estar verdadeiramente interessada. Ou será que, num fino golpe táctico, Angola se prepara para entregar ao governo português um extenso caderno reivindicativo? É urgente alguém que pense nas Necessidades.»
Já o escrevi no Negócios e repito: há que olhar para o actual quadro de relações entre os dois países de uma forma desapaixonada, à temperatura ambiente, sem complexos coloniais nem traumas colonialistas. A Angola pós-guerra civil concebeu um modelo de poderio económico baseado nos seus excelentes recursos naturais (petróleo e diamantes, entre outros por explorar), como recomendam os manuais. Moralismos à parte, que esses ninguém pode exibir, o regime angolano traçou um caminho de acumulação de riqueza baseado na ascensão programada dos generais da guerra a neo-capitalistas. Os métodos foram aproximadamente os mesmos que as nações europeias há séculos seguiram com os seus nobres.
Por isso, os capitais angolanos são tão bem-vindos em Portugal quanto os portugueses o são em Angola. Se a cabeça e o coração levarem a melhor sobre as tripas, não há razões para que a nossa relação bilateral não progrida, desde que assente numa atitude adulta entre partes assumidamente diferentes. Ponhamos de lado a frieza arrogante da elite angolana – que, diga-se de passagem, atinge todos os não angolanos por igual - e os ares de fidalguia arruinada da parte portuguesa.
Sobretudo, há que deixar o campo económico aos seus agentes, dos dois lados, com o mínimo de interferências da política. Está à vista que os capitais se movimentam sem precisar da ajuda de diplomatas nem de aprendizes de feiticeiros. Se recuarmos até à independência de Angola, verificaremos que os melhores períodos da relação entre os dois países foram aqueles em que as "cúpulas" se mantiveram mais discretas e menos dadas a espectáculos mediáticos. José Eduardo dos Santos vê certo - o que de pior pode acontecer entre um ex-colonizador e um ex-colonizado é a manifestação pública de estados de alma. Que o digam espanhóis, ingleses e franceses, nas suas eficazes relações com as ex-colónias.
O ministro dos Negócios Estrangeiros português é a prova acabada da falta de tino. Desconheço se existem outros motivos para o azedume de Luanda além dos casos judiciais envolvendo figuras de peso da nomenklatura angolana, mas palpita-me que não. Desconheço igualmente se os tais casos são dignos desse nome, quantos formulários terão ficado por preencher (a fazer fé na impagável tirada de Rui Machete à Rádio Nacional de Angola), em que ponto exacto se encontram os processos, quem envolvem ao certo e, não menos importante, se as (habituais) fugas de informação por parte do nosso aparelho judicial são tão acintosas quanto Luanda quer fazer crer. Do que estamos certos é que o ainda chefe da nossa diplomacia fez asneira grossa. Se outras razões não houvesse, ele deveria saber que toda a ex-colónia despreza manifestações de subserviência do ex-colonizador. Ironicamente, até poderá vir a receber a Ordem Agostinho Neto, mas terá causado um rombo, espero bem que reparável, nas relações luso-angolanas.
Algo me diz que tudo isto não passa de uma tempestade num copo de água e que os agentes económicos, em especial os mais próximos de José Eduardo dos Santos, se encarregarão de serenar os ânimos. Pelo caminho poderá ficar a programada cimeira luso-angolana, na qual, aliás, Luanda nunca pareceu estar verdadeiramente interessada. Ou será que, num fino golpe táctico, Angola se prepara para entregar ao governo português um extenso caderno reivindicativo? É urgente alguém que pense nas Necessidades.»
(Artigo de opinião de Luís Nazaré, economista, gestor e professor universitário, publicado no "Jornal de Negócios" de ontem)
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