sexta-feira, 24 de abril de 2009

O passageiro incómodo

Comboio Intercidades, 1.ª classe, ou "Conforto", como agora se chama. Sexta-feira de manhã, a carruagem ia escassamente ocupada. A caminho do Porto. Na paragem de Coimbra-B, a habitual troca de passageiros, muitos que saem e alguns que entram. Entre estes, um individuo de meia idade, vestido de maneira simples, livro de folhas amarelecidas e reviradas nas pontas, entreaberto num das mãos. Caminhou de forma algo hesitante para um lugar, junto à janela, onde se instalou confortavelmente a ler. O comboio arrancou e retomou a marcha trepidante rumo ao destino. Poucos minutos após a passagem do Revisor, um novo ruído, intenso e ritmado, ultrapassava os decibéis originados pelo rodar das carruagens sobre os carris. O passageiro recém-chegado ressonava estrepitosamente. Alguns dos vizinhos olhavam-se e trocavam sorrisos de complacência. Que ao fim de pouco tempo se transformaram em olhares e gestos de incomodidade e de reprovação. Porque o novo companheiro de viagem exacerbou o estridor do seu inusitado "canto" à medida que a viagem prosseguia. E nem as paragens e arranques sucessivos, nem o ruído do bater de portas, nem as vozes, nem o trepidar da carruagem, nem o silvo da máquina de tracção, conseguiu perturbar por um segundo aquele desinibido sonhador, livro entreaberto entre as mãos, até à chegada à Estação de Campanhã...

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