terça-feira, 27 de agosto de 2019

A aspirina não é útil para prevenção primária de doença cardiovascular em idosos saudáveis

Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência - CEMBE

QUESTÃO CLÍNICA
Qual o efeito da aspirina na prevenção primária de doença cardiovascular em indivíduos saudáveis com idades ≥ 70 anos?

DESCRIÇÃO DO ESTUDO
A análise primária do estudo ASPREE (Aspirin in Reducing Events in the Elderly) levou os autores a concluir que uma baixa dose de aspirina diária não aumenta o tempo de sobrevida livre de incapacidade em idosos nem reduz a mortalidade. O presente artigo, também baseado nos resultados do ASPREE, refere-se especificamente aos outcomes secundários e um outcome não especificado previamente pelos autores.

Trata-se de um ensaio clínico aleatorizado, com dupla ocultação, que incluiu 19114 participantes com idades ≥ 70 anos, independentes para as atividades de vida diárias, dos quais 9525 receberam 100 mg de aspirina por dia e 9589 receberam placebo. O tempo mediano de seguimento foi de 4,7 anos e 56% dos participantes eram mulheres.


Foram excluídos participantes que tivessem história de cardiopatia isquémica, doença cerebrovascular, fibrilhação auricular, diagnóstico clínico de demência, incapacidade física clinicamente significativa, risco elevado de hemorragia, anemia, contraindicações conhecidas para a terapêutica com aspirina, uso regular de anticoagulante ou antiagregante para além de aspirina, tensão arterial sistólica ≥ 105 mmHg, ou presença de uma patologia que, segundo o médico de família, fosse provavelmente resultar na morte do participante nos 5 anos seguintes.

Foi permitido aos participantes tomar outros anti-inflamatórios não esteróides, para além da aspirina, mas com a recomendação de tomar a menor dose e na duração mais curta possível.

CONCLUSÕES
Em idosos, a prevenção primária com aspirina em baixas doses resultou num risco significativamente mais elevado de hemorragia major, sem reduzir significativamente o risco de doença cardiovascular, em comparação com o placebo.

COMENTÁRIO
A aspirina tem a sua eficácia comprovada na prevenção secundária, em doentes nos quais o benefício de reduzir a taxa de enfarte agudo do miocárdio e de acidente vascular cerebral ultrapassa claramente o risco associado de hemorragia. Já no caso da prevenção primária, em indivíduos saudáveis que tipicamente apresentam um risco cardiovascular menor, o balanço risco-benefício não está claramente estabelecido.

O estudo ASPREE surge no contexto de esclarecer o efeito da aspirina na prevenção primária, especificamente na população idosa, na qual por um lado existe um risco cardiovascular mais elevado do que na população geral, mas por outro existe um risco maior de hemorragia.

Na análise primária, os autores concluíram que, para idades ≥ 70 anos, a prevenção primária com aspirina não reduz a mortalidade nem aumenta a sobrevida livre de incapacidade. Na presente análise, acrescentam que também não reduz o risco de doença cardiovascular ou evento cardiovascular adverso major. Para além disso, aumenta o risco de hemorragia major.

É de realçar que a taxa de eventos cardiovasculares observada na população estudada foi inferior ao esperado (22,4 por 1000 pessoas-ano), reflectindo provavelmente o bom estado geral de saúde dos participantes. Para além disso, o risco de hemorragia major foi constante ao longo do tempo, sugerindo que mesmo com uma dose baixa de aspirina, o risco não diminui com a terapêutica crónica.

O estudo tem algumas limitações: não nos dá informação útil para a população idosa que já se encontra a fazer prevenção primária com aspirina, quanto a continuar ou interromper a terapêutica; no final do estudo, apenas 62% (grupo aspirina) e 64% (grupo placebo) dos participantes estavam a cumprir a terapêutica à qual estavam alocados, o que poderá ter levado a subestimar os benefícios da aspirina, apesar de que esta taxa de adesão seja provavelmente semelhante à verificada na prática clínica; o outcome de evento cardiovascular adverso major não foi pré-especificado, apesar de os seus resultados estarem em concordância com os restantes outcomes.

Em suma, a população idosa saudável não deve fazer prevenção primária com aspirina, pois para além de não trazer benefícios, está associada a um risco significativo de hemorragia.

Autores: Juan Rachadell, Raquel Vareda, António Vaz Carneiro

Referências

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