sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Será que o cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, se passou?...

Do artigo de opinião de Filipe Luís, Director Executivo da revista "Visão", publicado ontem nesta revista, com o título "A igreja anti-Cristo", alguns excertos. Com a devida vénia,

«E quando parece que a Igreja começa a humanizar-se, graças à persistência e força tranquila daquele que será, talvez, o primeiro Papa cristão do último milénio, eis que alguém lá de dentro volta a remetê-la para o mundo das anedotas. Pedir a casais casados por matrimónio religioso, entretanto divorciados no civil e casados de novo, ou vivendo maritalmente com outra pessoa, que se abstenham de manter relações sexuais, no seio da nova relação, é, ao mesmo tempo, uma contradição nos próprios termos, um absurdo filosófico e um guião para um sketch humorístico. Ou antes: seria tudo isto, se não fosse um subterfúgio manhoso e hipócrita para, na prática, bater com a porta da Igreja na cara destas pessoas.

.../...o abstruso surgiu de onde menos se esperava. De um bispo conhecido pela sua preparação intelectual e pelo conhecimento do mundo real, um homem ilustrado como o cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente. Será que se passou?...

.../...Em que mundo viverá D. Manuel Clemente? Acha que um homem e uma mulher, que gostam um do outro e escolheram viver juntos vão fazê-lo em abstinência sexual? A sério? A violência desta exigência, a sua extrema desumanidade, a chantagem religiosa, a intromissão na vida privada, a violação da consciência e, finalmente, a sua inexequibilidade, transforma-a na atitude menos cristã de que há memória na História recente da Igreja Portuguesa. Já há quem - padre Rui Pedro Carvalho, diretor do serviço de Pastoral Familiar do Patriarcado de Lisboa (lido in Observador) - remeta a recomendação para a exortação apostólica Familiaris Consortio, de 1981, do Papa João Paulo II. Nesta versão, não seria D. Manuel Clemente quem estaria a ter "ideias brilhantes", mas sim o próprio São João Paulo II. (Faz-me lembrar o argumento de Cavaco Silva, quando falou da solidez do BES, pouco antes de a falência do banco ter feito milhares de lesados, e veio depois dizer que tinha apenas citado o Banco de Portugal...) Reparem bem: 1981! D. Manuel Clemente agarra-se a uma recomendação de um Papa conservador exprimida através de uma velha "exortação" com quase 40 anos! Para quê? Para entalar o Papa Francisco?... Uma exortação pode ser atualizada ou mesmo revogada por uma nova exortação de um papa posterior. Ou tornou-se dogma da Igreja e já não pode?...

A exortação do papa (finalmente) cristão, de nome Francisco, intitulada Amoris Laetitia, é totalmente revogatório desta "exortação" de João Paulo II do tempo da maria cachucha. Adapta a misericórdia da Igreja a novos valores, mais de acordo com a natureza humana. (O padre Anselmo Borges comentou esta quinta-feira que a recomendação de D. Manuel atenta contra a natureza humana...).

Se Francisco dá um passo em frente, D. Manuel dá dois atrás, talvez pressionado pelo crescimento dos tais contornos "cismáticos" do movimento ortodoxo que procura dividir a Igreja, também em Portugal, e que foi tema de capa na VISÃO n.º 1299. No fundo, cada diocese tem hoje autonomia para interpretar as palavras de Francisco - que verdadeiramente, reconheçamo-lo, não se sabe impôr. Já procurávamos padres que batizassem os nossos filhos sem determinadas exigências - padrinhos crismados, por exemplo... - enquanto outros se recusavam a fazê-lo. Agora, um "recasado" terá de procurar uma diocese mais tolerante e progressista para poder comungar. A confusão está instalada e D. Manuel Clemente é o responsável mais recente por essa confusão.».../...

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