Do artigo da jornalista e psicóloga Clara Soares, publicado no passado dia 1 de Fevereiro, com o título "Como lidar com um narcisista", o primeiro de dois excertos, com a devida vénia:
«Cada
um é para o que nasce. Ele há feitios para tudo. Embora tenha por
princípio questionar mitos e frases feitas, não subestimo a sua validade
empírica. Uns sofrem da doença da pressa, mas que agora todos conhecem
por stresse. Outros olham para o céu e creem que vai abater-se sobre
eles ou que o Apocalipse está perto. A Bíblia das Doenças Mentais (DSM),
inventada há quase um século, por um grupo de psiquiatras, para definir
e uniformizar os critérios para melhor diagnosticar problemas (e
comparticipar prescrições), tem vindo a aumentar substancialmente o
leque de perturbações. À luz disto, não admira que haja em cada humano
um transtorno ou uma qualquer espécie de defeito de fabrico, a que só
falta colocar um código de barras.
Dito
isto, falemos de coisas que dispensam nomes novos e já vêm da
Antiguidade Clássica. Dos Narcisos aos Dorian Gray desta vida. Daqueles
que circulam na estratosfera financeira, política e mediática e se
apresentam ao mundo ao som de canções onde que referem “coração de
pedra”. E que não percebem o significado da frase que lemos em certos
retrovisores: “Os objetos no espelho estão mais próximos do que
parecem”. Assumindo que o condutor sabe disto, ele trata de manter uma
distância e uma condução seguras, enquanto circula na estrada com os
demais automobilistas. Quem padece da Doença do Eu, como agora lhe
chamam, pode muito bem cometer o erro de fazer manobras perigosas,
presumindo que leva um avanço maior do que quem vai atrás de si, apenas
porque, através do espelho, lhe parece mais pequeno (e mais distante). E
a partir daqui, tudo, mas mesmo tudo, pode acontecer. Até mesmo o ficar
tão focado no espelho que perde a noção do que está à sua frente.
Problemático?
Depende do grau em que o “protagonista” for afetado. Ou, bem mais
provável, do grau em que afetar os que estão à volta, pois a eles cabe a
parte chata, dramática até, de apanhar os cacos e levar com culpas,
insultos e outros impropérios. Já agora, é mesmo verdade que o
narcisismo se converteu numa epidemia e que estamos na Era do Eu? Ou que
os ilustres cavalheiros (na maioria homens, vá-se lá saber porquê) que
se reuniram para rever os critérios do DSM se envolveram numa luta de
egos quando alguns deles quiseram abolir a categoria? Quando se precisa
de caçar admiradores como pão para a boca pensará, secretamente, “Isto
não se faz”. Costuma dizer-se que nunca nos devemos meter no meio de um
saco de gatos (que também me parece uma expressão infeliz, projetada
sobre os pobres felinos). “Que se entendam, desde que eu não tenha de
lidar com eles”. O problema é que eles “são mais que as mães”. Se calhar
até foi por ser tão normal que alguém pensou não fazer sentido
classificá-lo como um transtorno… Bom, “eles andam entre nós” (ou nós
temos um pouco deles e não vimos).»
(Continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário