quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Belmiro de Azevedo morreu ontem

A homenagem, hoje, prestada através do editorial do "Jornal de Notícias" de hoje,

«Poucos homens de negócios como Belmiro de Azevedo ostentam com tanta propriedade a condição de empreendedor. No que isso encerra de verdadeiro, da dimensão que lhe é dada por um percurso de vida conquistado a pulso, focado no essencial, com traços quase cinematográficos. Da pacatez de Tuias, no Marco de Canaveses, para o Porto, para uma multinacional, para um império cujas marcas são transversais à sociedade portuguesa. O "homem Sonae" influenciou a forma como nos vestimos, como nos alimentamos, como comunicamos e como nos informamos. Criou valor, criou riqueza. Empregos. Criou hábitos de consumo. Moldou, por isso, comportamentos.


O percurso profissional de Belmiro confunde-se em larga medida com a história da economia portuguesa do pós-25 de Abril. Talvez a maior herança que deixa ao país seja mesmo o trabalho. Palavra que sempre fez questão de colocar à frente de outras, que conjugava com competência, disciplina, ousadia. Independência. Face ao Estado e ao poder político.

Belmiro, o industrial, filho de pai carpinteiro e de mãe modista, nunca escondeu o apego às raízes humildes. Sabia para onde queria ir, mas nunca esqueceu de onde tinha vindo. Valores que, confidenciava repetidamente, procurou passar aos filhos, de quem se orgulhava, sobretudo, por serem trabalhadores e bem educados. Ao contrário do que seria admissível, a fortuna do pai não pesou em demasia nos ombros dos sucessores, que assumiram a gestão do império com uma naturalidade pensada, sem abrir terreno aos vazios gerados pelas crises geracionais tão típicas dos grandes capitalistas.

Um dos traços mais distintivos deste assumido homem do Norte era, precisamente, a liberdade de pensar pela própria cabeça. E de ter, como bom portuense, o coração perto da boca. Essa independência custou-lhe, todavia, vários dissabores ao longo de décadas. Mas Belmiro nunca se coibiu de desembainhar a espada, fosse qual fosse o tamanho ou a armadura do inimigo. Que o digam Cavaco Silva e José Sócrates. E vários ministros das Finanças e da Economia. Não por acaso, o programa televisivo de humor "Contra-Informação" batizou-o de "Belmiro Mete-Medo". O senhor multinacional era assumidamente contrapoder. Como qualquer bom provocador.

O maior empregador privado português conquistou o país sem perder o Norte. A sede da Sonae nunca saiu da Maia. Do Porto. O grupo que ergueu e cujo universo laboral se estende a cerca de 40 mil postos de trabalho (em 2016, gerou, em média, uns impressionantes seis empregos por dia) construiu-se com base numa cultura empresarial inovadora, assente num nada negligenciável patriotismo fiscal. Belmiro nunca foi unânime. Verdadeiramente, nunca quis ser. De outra forma, não podia ter sido o homem que foi. O homem que destruía para construir.»

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