segunda-feira, 15 de maio de 2023

Senhor ministro, meta lá mais tabaco nisso, por favor

Com a merecida e devida vénia, eis a crónica de opinião de Ana Sá Lopes, publicada ontem no jornal "Público",

«Estamos a preparar uma nova “lei seca” - só que, desta vez, não é com o álcool. À falta de melhores ideias para resolver os problemas sistémicos do SNS, Manuel Pizarro veio apresentar-nos esta semana a revolução antitabaco.

É o delírio: o cidadão está a fazer uma viagem grande na auto-estrada e acabou-se o tabaco? Esqueça. As bombas de gasolina só vão bombar álcool. Troque o vício: compre uma garrafinha de gin, das pequenas. Ou umas minis, se se contentar com isso. Corre o risco de se matar ou matar umas pessoas de seguida? Acontece. O Governo não vai medir a taxa de alcoolemia na auto-estrada.

O fumador que já se conformou em não fumar em locais fechados acabou de receber uma magnífica notícia de Manuel Pizarro: também não vai poder fumar em lugares abertos! Ele está sinceramente a ponderar o risco que fumar nas esplanadas totalmente abertas representa para a saúde.

Caro cidadão, pode açambarcar todo o álcool que quiser no supermercado, no minimercado, mas tabaco não. Beba o seu bagaço descansado - ou dois ou três, os que quiser - mas nem sonhe comprar tabaco no café. É em nome da sua saúde, console-se. Se estiver nervoso, meta outra aguardente.

O stress provocado pela falta de tabaco ou antidepressivos pode ser compensado com vinho - já ouvi um notável psiquiatra dizer isto a uma pessoa que conheço e que acabou por recorrer à opção. Não sei se isto ocorreu ao Governo.

O tabaco faz mal, sim. Muitos ex-fumadores são notáveis proibicionistas, até por uma razão simples: é muito difícil deixar de fumar, e a ortodoxia é típica dos cristãos-novos.

Gostava que a preocupação com a nossa saúde se estendesse ao álcool, mas nesse capítulo zero. E está provado que o alcoolismo, ainda muito prevalecente em Portugal, destrói pessoas, espoleta agressões a mulheres e crianças em contexto familiar, torna a vida um inferno às famílias mesmo que não ocorram crimes.

O álcool, que contribui também para os gastos do Instituto Português de Oncologia, é um destruidor de pessoas e tem um papel nos casos de violência doméstica. Mas isso não interessa especialmente ao Governo empenhado em ir além das directivas europeias que obrigam a equiparar o tabaco aquecido ao tabaco normal.

A frase da secretária de Estado da Promoção da Saúde é um mimo: “Basicamente deixa de haver locais onde seja possível fumar.” E beber, senhora doutora? Se é para promover a saúde – e combater assassínios, coisa que não há memória de o tabaco ter provocado –, mais vale também acabar com os locais onde seja possível beber.

Percebo que o Governo esteja pedrado com o caso TAP e precise de criar distracções. Mas a ideia de só vender tabaco em “tabacarias ou similares” coloca, desde logo, uma interrogação: o que é um similar de uma tabacaria? Não há doutrina. E nas pequenas aldeias onde não existe qualquer tabacaria deixa de se vender tabaco? Como é que o Governo vai decidir o que é o "similar"? Um café? Ah, mas os cafés não podem vender. O Dr. Pizarro deve ter matutado no assunto.

E, pronto, também o ministro da Saúde acabou de entrar na discussão sobre o novo aeroporto de Lisboa: quer manter a Portela a todo o custo para o resto das nossas vidas. Comprar tabaco nos aeroportos? Mas se não se pode fumar nos aeroportos porque é que se vende tabaco nos aeroportos? Ah, claro, as free shops. Uma chatice acabar com esse negócio e o do álcool. Os pequenos comerciantes que se tramem.

Um Estado que se financia explorando os mais vulneráveis da sociedade através do vício do jogo - as “raspadinhas”, essa demência institucionalizada recentemente - está a gozar connosco quando nos quer tirar da vista os cigarros.

Enquanto o ministro Manuel Pizarro se ocupava com os lugares onde (não) poderemos comprar tabaco - eu irei açambarcar, como se fez com o papel higiénico na covid -, saiu o relatório da OCDE onde se diz que Portugal é um dos países onde mais álcool se consome na União Europeia, o que pode levar à redução de um ano na esperança de vida daqui a 30 anos. Se quer a ditadura higiénica, vá até ao fim, senhor ministro. E acabe com os enchidos de porco, as gorduras trans, a fast food. Há todo um mundo de proibicionismo e limitação das liberdades individuais à sua espera. Se quer ser coerente, avance a toda a brida e imponha a lei seca. Deu bons resultados no século XX nos Estados Unidos.»

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