Não haja nenhuma dúvida de que estamos, de facto, a entrar em campanha eleitoral. Na tentativa de deixar no esquecimento possível tudo o que de negativo este Governo e o Partido Socialista viram repercutido recentemente na opinião pública. Com a devida vénia, eis o Editorial, da autoria de Manuel Carvalho, publicado hoje no jornal "Público",
«Um breve compêndio dos anúncios do Governo este mês: IVA zero numa lista de alimentos; aumento do subsídio de alimentação e aumento salarial intercalar de 1% para a função pública; subsídios de renda e bonificação de juros no crédito à habitação; reprogramação do PRR com o acréscimo de quatro mil milhões de euros; apoio trimestral de 90 euros a famílias mais vulneráveis; reforço do abono de família; aumento de 3,57% para pensionistas; baixa de IRS garantida até 2027.
Se o catálogo que requer fôlego para acompanhar não é prova de um Governo em campanha eleitoral, algo mudou nas campanhas eleitorais. É verdade que não há eleições à vista, mas o primeiro-ministro e os seus pares seguem à letra os manuais da campanha porque sentem o terreno fugir-lhes debaixo dos pés. Precisam de reconquistar a iniciativa política. Como o pacote da habitação, que exige estudo e substância política, fracassou, como o IVA zero nos alimentos foi devorado pelo caso da TAP, António Costa tenta fazer-se ouvir com mais dinheiro.
Há uma série de indicadores que permitem ao Governo entrar neste arraial de redistribuição. O ministro das Finanças abre mão de 2000 milhões de euros de IRS até 2027 e passa um cheque aos pensionistas no valor de mil milhões de euros por ano, porque pode. A economia portuguesa dá sinais de vitalidade, as exportações seguram-se, a colecta de impostos sobe para uns absurdos 36,4% do PIB. Com tantos indicadores positivos, o Governo faz o mais simples: distribui o que arrecada a mais, sem pôr em causa o défice e a dívida.
Se juntarmos esta folga à necessidade de apoio que as famílias ou os pensionistas estão a sentir com a inflação, torna-se mais fácil de perceber que esta ofensiva de cheques do Governo é politicamente eficaz. Só que, no meio de tanta generosidade social ou fiscal, esconde-se o velho perigo do facilitismo, da navegação à vista e da ausência de futuro que tantas vezes penalizou o país.
Não há problema algum com esta ofensiva política, a não ser a sensação de que se faz, mais uma vez, o mais fácil e se subalternizam as causas profundas que amarram o país à cauda da Europa. Os apoios do Governo calam a oposição, reduzem o ruído das greves, acalmam e entretêm o país. Mas são meras folgas conjunturais que desviam as atenções das mudanças profundas na qualidade da administração, na economia ou na dinâmica da sociedade. Com tanto dinheiro, o Governo pode respirar da asfixia da TAP; mas este era o tempo ideal para as mudanças estruturais na Justiça, na Educação ou na Saúde que não cabem nas campanhas eleitorais.»
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