quarta-feira, 5 de abril de 2023

Há 30 anos a prometer médicos de família

Com a devida vénia, eis o muito bem documentado editorial de hoje do jornal "Público", da autoria de Andreia Sanches, sua directora-adjunta,

«Em 1991, Cavaco Silva comprometia-se no seu programa eleitoral com “a garantia do direito de cada cidadão” a “escolher o seu médico”.

Vinte anos depois, Ana Jorge, ministra de José Sócrates, lamentava no Parlamento o facto de ir falhar a meta de assegurar a todos os portugueses um médico de família. A culpa era “das reformas antecipadas” no SNS.

Em 2015, António Costa apresentava a intenção de “prosseguir o objectivo de garantir que todos os portugueses” teriam um médico de família. E em 2016, outro ministro da Saúde de um Governo socialista, Adalberto Campos Fernandes, prometeu que iria terminar o ano sem ultrapassar os “500 mil” sem médico da família.

Nunca ninguém cumpriu as promessas. Mas houve vários anos em que conseguimos ficar abaixo da fasquia de um milhão de utentes sem médico de família.

Hoje, há 1,6 milhões nessa situação.

Encontram-se considerações muito interessantes quando se percorre a história do noticiário sobre este assunto e não é só por via das promessas dos governos. Em Março de 2014, a Ordem dos Médicos divulgou um comunicado onde afirmava: “Estão a entrar na especialidade de medicina geral e familiar mais de 400 jovens médicos por ano, pelo que no prazo de quatro a cinco anos todos os portugueses terão um médico de família e, a partir daí, começará a haver médicos de família desempregados.” Foi há nove anos. A Ordem dos Médicos, que sempre achou que não faltam médicos no país além daqueles que já representa, propunha que o Governo contratasse reformados, temporariamente, até o problema se resolver. Não resolveu.

Há dias, a Associação de Estudantes de Medicina disse que se o país aumentar as vagas nos cursos, isso será terrível. As faculdades não aguentam. De resto, argumentou, “não há falta de médicos per se”. Os 1,6 milhões sem médico terão dificuldade em perceber.

Certo é que o Governo sabe que “o cumprimento da meta de cobertura de todos os inscritos no SNS por uma equipa de saúde familiar” depende mesmo de ter mais médicos. E que não basta aprovar uns cursos privados.

A constituição de um grupo de trabalho, como o anunciado esta semana, não é propriamente o desfecho mais entusiasmante de 30 anos de promessas falhadas. Mas é importante o compromisso de que até ao final do ano haverá respostas sobre como e onde, no sector público, a formação de novos médicos pode crescer.

Contudo, como muitos alertam hoje, nesta edição, se o SNS não tiver condições para reter boa parte dos jovens que acabam a especialidade, trabalho, no sector privado ou fora do país, não lhes faltará. E os centros de saúde continuarão a não dar resposta.»

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