segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

O pântano de António Costa

A jornalista Ana Sá Lopes publicou, na passada quinta-feira, na secção "Diários da República" do jornal diário "Público", um artigo de opinião com o título "Aqui está o pântano de Costa. Boa noite e boa sorte". Pela sua pertinência e pela sua persistente actualidade, merece ficar aqui registado, com a devida vénia,

«Os governos felizes parecem todos iguais; quando chega a decadência, vivem-na cada um à sua maneira. A primeira frase de Anna Karenina é adaptável à situação política. O imbatível António Costa, que ao fim de seis anos de Governo atingiu a inesperada maioria absoluta, entrou em queda acelerada. As coisas mudaram e, como sempre, parecem ter mudado num instante.

Há, em tudo o que tem vindo a público nos últimos dias, um perfume de decadência, de fim de ciclo, daquilo a que Guterres chamou o "pântano" e Cavaco Silva não chamou nada, mas viveu plenamente: aquele momento em que já ninguém perdoa o que quer que seja a um Governo. Um assalto a Lídia Franco foi um escândalo nacional nos anos 90, por demonstrar a falta de segurança do país e a fragilidade do já acabrunhado último Governo de Cavaco Silva.

António Costa foi um líder político cheio de talento e sorte. O país perdoou-lhe quase tudo durante seis anos e premiou-o há menos de um ano com uma maioria absoluta. A sua durabilidade no poder foi imensa. A fórmula inovadora como conseguiu chegar ao poder em 2015, depois do PS ter eleito menos deputados do que a coligação PSD/CDS liderada por Passos Coelho, permite-lhe ficar na História.

Infelizmente, tal como acontece a todos, mas mesmo a todos, os grandes chefes políticos, entrou num processo de "descolagem da realidade", como disse o Presidente da República no discurso do Ano Novo.

Essa descolagem percebeu-se na arrogante entrevista que deu à Visão, a do "Habituem-se". Mas ficou evidente na sua forma mais acabada quando o Governo não antecipou o choque que significou para a opinião pública a notícia de que a nova secretária de Estado do Tesouro tinha sido administradora da TAP onde rescindiu o contrato e recebeu uma indemnização no valor de 500 mil euros. Foi conversa à mesa de Natal de todos os portugueses, mas o primeiro-ministro (e o líder da oposição) continuaram tranquilamente de férias.

Quem não foi de férias foi o Presidente da República que retomou a iniciativa política e travou a fundo as opiniões segundo as quais estava perdido no segundo mandato. Marcelo encontrou-se. Não meteu férias de Natal e não deixou que o caso da indemnização caísse no esquecimento da "bolha político-mediática", já que foi uma matéria que escapou dessa bolha e foi sentida pelos portugueses em geral.

À hora que estou a escrever esta newsletter, o Presidente da República está a confirmar a manchete do Expresso – "Marcelo dá um ano a Costa para salvar a legislatura" –, embora prefira que seja lida de uma forma mais suave: "Não contem com a dissolução [já], mas o Governo tem de governar bem." É, portanto, oficial: o Presidente da República admite que esta legislatura pode não chegar ao fim.

É verdade que Marcelo já o tinha dito no discurso de Ano Novo, quando admitiu que o futuro do Governo só dependia dele próprio. Só os socialistas "podem enfraquecer ou esvaziar" a estabilidade "ou por erros de orgânica, ou por descoordenação, ou por fragmentação interna, ou por inacção, ou por falta de transparência, ou por descolagem da realidade".

Entrámos oficialmente no ano da crise governamental. Os esforços do primeiro-ministro em negar a crise, falando das vitórias da saída do procedimento por défice excessivo, da luta contra a pandemia, e do combate à inflação, têm sido ineficazes. A remodelação – onde Costa reforçou a ala pedronunista, já que a coesão do PS está em risco pelo facto de o ex-ministro se afastar do Governo e do núcleo político do partido – foi estragada na quinta-feira à noite, com a demissão da secretária de Estado da Agricultura, que tinha contas conjuntas com o marido, que foram arrestadas pela Justiça.

Para quem assistiu ao desmoronar do cavaquismo, do guterrismo, do barrosismo/santanismo e do socratismo, existe na situação em que vivemos excessivas similitudes. Mas, lá está, cada Governo em fim de ciclo vive o fim de festa à sua maneira.

Tenha um bom fim-de-semana. Ou, como dizia o famoso jornalista americano Ed Murrow, boa noite e boa sorte.»

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